16 de janeiro de 2010




Eu tinha seis anos e estava na porta da escola e a aula já tinha terminado, todos os meus colegas tinham ido embora e já não havia mais quase ninguém perto de mim e eu achei que tinham me esquecido e fui tomado por um medo que acho estranho, logo eu que lido tão mal com a memória, que eu me recordo até hoje e eu lembro que eu corri e pedi ajuda pra um senhor de chapéu e disse que ninguém tinha vindo me  buscar e pedi se por favor ele não sabia onde eu morava porque talvez ele soubesse e me conhecesse e pudesse me deixar em casa. Hoje eu não tenho mais seis anos e volta e meio sinto uma sensação muito parecida, só que não é mais aquele leve atraso de um pai indo buscar um filho na porta da escola.  É meio como que esperar alguém vir te buscar porque você não sabe pra onde seguir porque não há caminho, e você também não tem mais pra onde voltar direito porque você precisa construir algum lugar que seja teu. E eu acho que também é como uma espera inacabada e intermitente pela chegada de alguém que vem te levar pra algum lugar seguro e confortável e onde você se sinta bem e protegido porque parece que apesar de você ter crescido o mundo aqui fora não ficou melhor e você ainda se sente com medo, e é difícil não ter mais a certeza de que o teu pai vai estar no portão a hora que você sair. E acontece que não tem mais também nenhum homem alto de chapéu de palha pra te levar pra casa. E apesar de saber que não existe, acho que eu sou daqueles que acredita que existe um lugar melhor onde alguém vai te levar um dia e você vai se sentir protegido. E a sensação é que essa fantasia é uma mentira inventada pra mascarar a verdade de que nunca ninguém virá te buscar e te levar porque aquele dia na escola fui eu quem precisei pedir ajuda e me deixaram em casa porque sabiam onde eu morava e na verdade até tinham ido me buscar mas tinham chegado muito atrasados e fui eu quem não conseguiu mais esperar pelo medo de ficar sozinho e perdido num lugar longe de casa e sem saber por onde voltar. Hoje eu diria que é como se as únicas diferenças fossem as de que eu não tenho mais aquela idade e que meu pai não está mais a caminho porque pra onde eu quero ir ele não sabe como chegar nem pode me levar. Pra chegar lá tenho que ir sozinho.

4 de janeiro de 2010




Resumindo são mais do que algumas simples considerações.  É mais ou menos como um fim de tarde desses de céu rosado, e com uma estrela brilhante e única que eu pude assistir esses dias lá longe naquelelugar fechado e fundo e vazio. E até lá tem desses fins de dia pra se ver. Eu acho que eu fiquei tempo demais me escondendo nas tuas sobras, me alimentando daqueles poucos pedaços de tudo que você deixava cair, de algumas migalhas que escorregavam do teu prato cheio de comida. Eu cansei de ser espectro, fantasma, assistente, coadjuvante. E vem sempre aquela sensação de frio da realidade,  de medo do choque, todas aquelas borboletas vivas e coloridas que forram meu estômago de vez enquando. Acho que eu estou escrevendo isso hoje porque ando meio tomado pelo silêncio e pelo cansaço, pela calma, do esgotamento e uma espécie não-ruim de penúmbra, me sinto livre e preso numa atmosfera meio escura meio clara que nunca me foi simpática. E em verdade acho que você ainda é uma das únicas, poucas e últimas coisas que ainda consegue despertar meus demônios, fazer falar os dragões, desnudar minhas fraquezas mais gritantes,  quase só você consegue me dar aquele ímpeto efêmero de me fazer traduzir pelas letras que eu costumo depositar aqui, nesse esboço patético do eterno adolescente que eu ainda custo a acreditar às vezes que eu me tornei.