29 de outubro de 2008

Os seus dias tinham ficado meio diferentes, mais do que os já diferentes e novos dias anteriores. Medo e expectativa circundavam cada passo que ele sempre deu e continuava dando. Era como se uma aura disforme e condensada sempre estivesse rente ao solo e sob seus pés. O prato vazio encerrava migalhas claras e escuras, como num xadrez bagunçado, e os talheres dispostos sem ordem acompanhavam o copo vazio e a bagunça de seu.
Não parava de cair água do céu. O mesmo céu que parecia ser o lugar que ele sempre mais gostou, dos seus sonhos musicais e sacros, o mesmo alto onde ele sempre quis chegar, das estrelas que ele desejou um dia tocar. O firmamento era o palco dos vôos, como ele quis voar! Imaginação e realidade se combatiam a todo momento, numa batalha perpétua que lhe cansava cada dia mais, e que ia lhe esgotando, a conta gotas.
Que vontade de deslizar pelos céus, quanta vontade de daquela liberdade macia e carinhosa que ele procurava.
O céu estava cinza claro, e há dias tinham lhe dito que ele era cinza; que só usava cinza. Dentro da mensagem estava um recado, o mesmo recado que ele se mandava e não ouvia, procurar o cinza era uma forma de se anular, sempre fora, uma fase foi branco, e durante meses só vestiu a mistura única e branda de todas as cores, porém, há dois invernos o cinza era seu maior companheiro.
Um cinza que subtituiu a palidez alva, uma nova cor tinha casado com a sua vontade de calar, de arrefecer, e de apagar silenciosamente, sim, porque talvez ele achasse que já chamava atenção de mais por si só, e enquanto vestido com a neutralidade, quem sabe isso não deixasse as coisas mais turvas e mais simples pra quem mora aqui fora.
Hoje concluia que gostava do cinza, e que a cor combinava consigo de uma forma simbiótica, no entanto, a despeito do que acreditava, definitivamente não era a chuva e a instabilidade do tempo que o deixavam triste, sentir a onda da calma, o sono da penumbra e a quietude da ausência de sol, eram traços de momentos que não escolhia, que como sentimento dissolvido, se misturavam a uma receita sem medida, começo e fim, e a uma energia dissipada singela.
Estava satisfeito pela refeição, e estranho pelo sentimento, de uma ausência tentada e finalmente conquista, no entanto por uma presença não entendida nem que se pretendeu. Espaço vazio e ocupado, buraco aberto e preenchido, ferida exposta e cicatrizada, amor e carinho, orgulho e satisfação, saudade e dor.

Tarde

28 de outubro de 2008


procura-se:

[tradutor de]

si mesmo

recompensa:

felicidade

[ / entendimento]




Aparelho

27 de outubro de 2008



Eu espero que ela me ame a despeito de.
Essa futuras palavras (in)certas é que me machucam.
Âncora. Arco-íris. Love.


Inteligência Artificial

25 de outubro de 2008


http://www.youtube.com/watch?v=RUwri5brAEY

Hear Me Out

Frou Frou

I join the queue on your answer phone
And all I am is holding breath
Just pick up I know you're there
Can't you hear?
I'm not myself

Well, go ahead and lie to me
You could say anything
Small talk will be just fine
Your voice is everything
We owe it to love
And it all depends on you

So listen up
The sun hasn't set
(I refuse to believe that it's only me feeling)
Just hear me out
I'm not over you yet
(It's love on the line, can you handle it?)

So how do I do normal?
A smile I fake
the "per-ma-nent-way"
cue-cards and fix-it kits
Can't you tell?
I'm not myself

I'm a slow motion accident
Lost in coffee rings and fingerprints
I don't wanna feel anything but I do
And it all comes back to you

So listen up
"This" sun hasn't set
(I refuse to believe that it's only me feeling)
Just hear me out
I'm not over you yet
(It's love on the line, can you handle it?)

Hear me out
Listen up
This time you gotta listen to me - yeah
Look at me straight
Just hear me out
Don't make me wait
I'm not myself
I can't take this
Love's on the line
Is that your final answer?

I join the queue on your answer phone
And all I am is holding breath
Just pick up, I know you're there...

So listen up
"This" sun hasn't set
(I refuse to believe that it's only me feeling)
Just hear me out
I'm not over you yet
(It's love on the line, can you handle it?)
(repeats two more times after this and fades)


Será?

24 de outubro de 2008


"Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas caírem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."


daquelas que só a M.L.R.C.


Lembrou

"Ninguém pode construir em teu lugar
as pontes que precisarás passar,
para atravessar o rio da vida
- ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números,
e pontes, e semideuses que se oferecerão
para levar-te além do rio;
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar.
Onde leva? Não perguntes, segue-o. "
(Nietzsche)

Portão

22 de outubro de 2008


http://br.youtube.com/watch?v=P0AZIFmkogY

Deixar escorrer.
E queria que não vertesse vermelho, vivo, em pulsões.
Eu queria que o sangue fosse dourado, brilhante, pura luz.
Imagine se os corpos brilhassem na escuridão, se nas noites geladas cada um fosse lâmpada, talvez não haveria trevas absolutas em ninguém.
As coisas tem que ir embora, tem que partir, tem que nos deixar.
Os ciclos que se encerram em nós exigem esse desprendimento, senão cada tempestade traz de volta sempre os mesmos objetos, pedaços de nós mesmos, de nossas histórias mal resolvidas, de nossas confusões.
Os sentimentos são trovões, os desejos raios, os sonhos chuva, a espera nuvem, e o sol é aquilo do amanhã.
Eu queria ser estrela, estar no firmamento, e queria guardar cada pessoa que amei, junto comigo, lá no alto, como constelação, pois é assim que elas estão dentro de mim.
Sou menino-céu, coração-turba, movimento-música, luz pequenina que insiste em brilhar no infinito escuro.
Chama da idealização, vermelho alto, desejo do dourado, chão.

Sinto

Eu quero férias, no entanto umas férias diferentes das que sempre tive. Eu quero um tempo que seja novo, e que não represente tudo que sempre foi. Eu quero um ser que não seja dever. Eu quero viver o inédito, eu quero voltar pra reescrever, eu quero a música que me faz gritar, a lembrança que me traz dor, eu quero a lágrima por escorrer, eu quero o machucado que ensina, eu quero reconstrução, e eu estou escrevendo em primeira pessoa.
Eu quero mandar os e-mails que começo e não termino, e quero terminar de escrevê-los também, eu quero a companhia que procuro e preciso - que talvez seja a de mim mesmo-, eu quero parar de idealizar em demasia, quero parar de me emplogar sem motivo, eu quero para de sorrir porque às vezes consigo gostar de mim, eu quero parar de implodir dia sim dia não, quero parar de ter vontade de falar, parar de ter vontade de pensar, parar de ter vontade de compartilhar, de sentir, de repartir, de oferecer, de entregar, de sentir, de viver o eu.
E eu não quero mais deixar de ser, eu quero ser com paz, tranquilidade, eu quero acertar nas frases, nos olhares, eu quero acertar no porte, corresponder a espera, ser útil, agradável, eu quero não o que parece, eu quero eu e um você, eu quero as amizades que conquistei, e quero saber mantê-las, eu quero preencher o que precisarem, eu quero parar a gangorra que me comanda, que me habita, eu quero fim do duelo, quero sossego do sentimento, quero uma razão que não seja angústia como sempre era, a velha fórmula de culpar e sufocar pode não deixar acontecer, porém é como suicídio, é envenenar, é auto-flagelação. Não, eu não sei o que quero, talvez só o que eu saiba é que eu não quero mais confusão, eu quero um tempo de mim, dos meus conflitos, dos meus desequilíbrios, das minhas características, do que me faz eu, dos meus sonhos, dos meus desejos, das minhas vontades, das minhas idealizações, que quero o divórcio -nem que seja temporário- dessa esperança que me domina, dessa expectativa que me faz caminhar, que me comanda e que sempre morre e renasce mais forte.
Eu quero o vento que refrigera, a corrente que paralisa, eu quero a gase que estanca, eu quero um coração diferente, eu quero um eu que me obedeça, que me entenda, que me ajude. Eu quero um socorro que transforme, eu não quero mais a euforia num dia, e a angústia que entristece e me prende no outro, eu quero uma vida que eu nunca tive e eu não quero mais a solidão, mesmo que aquela acompanhada de sempre. Eu não quero mais a solidão como corretivo, na entanto tampouco quero continuar assim nessa premente espera tola e imbecil, de uma manhã adolescente não-vivida, de um tempo que amputei. Eu quero a experiência do que não tive, e quero agora, porque talvez só ela cure essa pressa, essa urgência, esse impulso juvenil de querer, de entender, de sentir a experiência do que pode ser felicidade.

Nitidez

"Cada pedaço de mim sabe o inferno que é ser sol em noites de chuva, ser cor nos cinzas dos edifícios, ser luz na escuridão das manhãs. Cada todo de ti sabe a delícia que é ser flor nas asas do vento, ser cristal nos olhos das fadas, ser azul no fundo do mar. Cada suspiro de nós sabe a angústia que é ser só um na multidão dos dias, ser muito na pobreza da esquina, ser ninguém na roda da vida. Enquanto isso os relógios se vão, e vêem aqueles que sabem o que é apenas ser na ausência do nada".

"O medo sempre me guiou para o que eu quero. E porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo que me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado."

"Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu.
Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil.
Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e o outro dos outros era eu."

"Eu sinto uma beleza quase insuportável e indescritível.
Como um ar estrelado, como a forma informe, como o não-ser existindo, como a respiração esplêndida de um animal. Enquanto eu viver terei de vez em quando a quase não-sensação do que não se pode nomear.
Entre oculto e quase revelado. É também um desespero faiscante e a dor se confunde com a beleza e se mistura a uma alegria apocalíptica."

"Todo momento de achar é um perder-se a si próprio."

"Talvez o que me tenha acontecido seja uma compreensão - e que, para eu ser verdadeira, tenho que continuar a não estar à altura dela, tenho que continuar a não entendê-la. Toda compreensão súbita se parece muito com uma aguda incompreensão."

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar."

Clarice Lispector

Gangorra

21 de outubro de 2008


Não encontro a poesia pretendida, não acho as frases correspondentes e nem consigo dizer o que é que habita. A vontade se mistura ao sonho, e o desejo é alegria, e a idealização boba se prende a cada palavra, a cada traço de algo que se espera e que no entanto pode nunca vir a ser. A mera imaginação inspira, o ser se dota de vontade, enche-se de brilho, incendia de felicidade, olho que percorre o centímetro, cuidado ao sair, perocupação em agradar, olfato que capta o cheiro, espaço pequeníssimo que parece como limiar frágil, treino de sorrisos, medo de não saber o que dizer, vontade de dizer, de convidar, apertar com força, repartir o gosto, demonstrar o sentimento, de uma mordida que não quer machucar e sim transmitir, de um carinho que não quer desculpas mas sim troca, de um desejo que não é superficialidade, e sim demonstração de transbordo, de excesso, de uma necessidade mister e nova, que era velha, e se renova, encantamento leve, e lindo, do que prende pelo sorriso, pelo rosto, pela voz.

Ventura

"Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso."

Clarice Lispector

Adema

20 de outubro de 2008


A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos,na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

http://br.youtube.com/watch?v=doc1eqstMQQ



Entendo

19 de outubro de 2008



You give me the wings to fly
You are the clear blue sky
I'm floating so free, so high
Falling with grace, for you, am I
You give me the wings to fly

You give me the wings to fly
You are the clear blue sky
I'm floating so free, so high
Falling with grace, for you, am I

You give me the wings to fly


G. Santaolalla


Horizonte

18 de outubro de 2008


Where are you? Here
What time is it? Now
Who are you? This moment

-do filme Poder Além da Vida










Rain

17 de outubro de 2008


Revolta, conversa, diálogo, apresentação, convite, reação, sentimentos, interesse, união, manobra, democracia, estopim, explosão, guerra, palavras, bombas, confusão, discussão, correria, pavor, confusão, indignação, tenatativa, explicação, sentimento, coração, entrega, verdade, mentira, grito, pedido, súplica, sonho, idealização, descontrole, voz alta, garra, força, sem controle, revolta por ter revolta, dúvida, dor, imersão, imensidão, razão, canção, entrega, silêncio, calar, contornar , errar, acertar, sofrer, destino, marcar, não-omitir, não saber, tentar, descontruir, descotinar, enfrentar, hormônio, sonho, inocência, tensão, juventude, ímpeto, revolução, volta! Passado, presente, diferente, chuva, azul, molhado, carta, tristeza, vontade, fazer de novo, mudar, lágrima, perturbação, encruzilhada, aprender, tudo, nada, socorro, berro, ajoelhar, espalmar, bater, implodir, enterrar, olho, voz, medo, saber, exprimir.

!?

16 de outubro de 2008

http://br.youtube.com/watch?v=THyZAS8H22g

Athlete
Wiress

You got wires, going in
You got wires, coming out of your skin
You got tears, making tracks
I got tears, that are scared of the facts

Running down corridors, through automatic doors
Got to get to you, got to see this through
I see is hope is here, in a plastic box
I've seen christmas lights, reflect in your eyes

You got wires, going in
You got wires, coming out of your skin
There's dry blood, on your wrist
Your dry blood on my fingertip

Running down corridoors, through automatic doors
Got to get to you, got to see this through
First night of your life, curled up on your own
Looking at you now, you would never know

I see it in your eyes, I see it in your eyes
You'll be alright
I see it in your eyes, I see it in your eyes
You'll be alright

Alright

Running down corridors, through automatic doors
Got to get to you, got to see this through
I see is hope is here, in a plastic box
I've seen christmas lights, reflect in your eyes
down corridors, through automatic doors
Got to get to you, got to see this through
First night of your life, curled up on your own
Looking at you now, you would never know

Fios

13 de outubro de 2008

http://br.youtube.com/watch?v=ZyTO0jW8T2o

THE VERVE

Lucky Man

Happiness
More or less
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh my, my
Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
And I know just where I am

But how many corners do I have to turn?
How many times do I have to learn?
All the love I have is in my mind

Well, I'm a lucky man
With fire in my hands

Happiness
Something in my own place
I'm standing naked
Smiling, and I feel no disgrace
With who I am

Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
And I know just who I am

But how many corners do I have to turn?
How many times do I have to learn?
All the love I have is in my mind

I hope you understand
I hope you understand

Gotta love that'll never die

Happiness
More or less
It's just a change in me
Something in my liberty
Happiness
Coming and going
I watch you look at me
Watch my fever growing
And I know
Oh my, my
Oh my, my
Oh my, my
Oh my, my

Gotta love that'll never die
Gotta love that'll never die
No, no
I'm a lucky man

It's just a change in me
Something in my liberty
It's just a change in me
Something in my liberty
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh my, my
Oh my, my
It's just a change in me
Something in my liberty
Oh my, my
Oh my, my

Always spring dreamer

12 de outubro de 2008






Acreditar nos sonhos é fazer a vida valer a pena.

Transição

11 de outubro de 2008


"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o destino: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra."










Tranquillité d’esprit

10 de outubro de 2008


"eu é que te agradeço por me devolver o que eu achava que tinha tido e nunca tive"



Antes de qualquer coisa, música


e, para isso, prefere o Ímpar

mais vago e mais solúvel no ar,

sem nada que pese ou que pouse.

E preciso também que não vás nunca

escolher tuas palavras em ambigüidade:

nada mais caro que a canção cinzenta

onde o Indeciso se junta ao Preciso.

São belos olhos atrás dos véus,

é o grande dia trêmulo de meio-dia,

é, através do céu morno de outono,

o azul desordenado das claras estrelas!


Porque nós ainda queremos o Matiz,

nada de Cor, nada a não ser o matiz!

Oh! O matiz único que liga

o sonho ao sonho e a flauta à trompa.

Foge para longe da Piada assassina,

do Espírito cruel e do Riso impuro

que fazem chorar os olhos do Azul

e todo esse alho de baixa cozinha!

Toma a eloqüência e torce-lhe o pescoço!

Tu farás bem, já que começaste,

em tornar a rima um pouco razoável.

Se não a vigiarmos, até onde ela irá?

Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?

Que criança surda ou que negro louco

nos forjou esta jóia barata

que soa oca e falsa sob a lima?

Ainda e sempre, música!


Que teu verso seja um bom acontecimento

esparso no vento crispado da manhã

que vai florindo a hortelã e o timo...

E tudo o mais é só literatura.


Verlaine


Agora

9 de outubro de 2008


Não saber por onde começar é um começo não?

Nuvens

8 de outubro de 2008



...Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi.E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com as duas pernas é que posso caminhar.Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar...
Clarice Lispector






Andar


Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de você.











Daniela

7 de outubro de 2008


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo

Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta essa curiosidade pelo momento a vir

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vinícius de Moraes 15/04/1962


Encaixa


6 de outubro de 2008


Seus pés tinham âncoras.












Âncora

2 de outubro de 2008

“E quando me dizias, meio tonto, que a solidão te comovia e te chamava, eu comecei a gritar por dentro, e só conseguia silenciar e implodir. E se eu dissesse tudo o que eu queria ao mesmo tempo que silenciasse na tua solidão, talvez eu conseguisse um pouco mais de paz, essa paz tão caótica a que tu sempre aspiraste. Mas não, eu só consegui fugir, fugir, fugir, correr o tempo todo de mim, o mais rápido que a minha lentidão podia e eu não podia, não podia correr dos teus olhos, do cheiro de pele, do choro da pele. ‘Acreditar na existência dourada do sol, mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite. Arrebentar a corrente que envolve o amanhã, despertar as espadas, varrer as esfinges das encruzilhadas’. Eu só podia permanecer ali, naquele banco sob os galhos cujas folhas já caíram há tempos, balbuciando o que eu não compreendia. ‘Todo esse tempo foi igual a dormir no navio, sem fazer movimento, mas descendo o fio da água e do vento’. Se a gente ainda tivesse nascido pela metade, como dizem, mas somos inteiros, eu era inteira: por que me partiste em cacos assim? Acho que vai começar a chover, eu sinto o cheiro da chuva. Me diz, o que eu faço agora? Hein? Agora que a tua solidão te chamou e preferiste qualquer resto de coisa a mim, o que eu faço agora? O que eu faço agora com todas as minhas vontades de nós, com todos os meus nós, com todas as minhas vontades? E o meu amor? O que eu faço do meu amor? Deixo a chuva levar, jogo fora enquanto estiver correndo e eu já corri tanto, meu amor. E o que eu somo à minha metade pra fazê-la inteira de novo? "Já não há mais moinhos como os de antigamente"

"O cavaleiro e os moinhos - Elis Regina"


By M.L.R.C

1 de outubro de 2008

Alguém ali


Um. Dois. Três.
Ele estava correndo. E enquanto se deslocava numa velocidade intensa, descomunal, percebia que as coisas estavam ficando menores, não propriamente pequenas, mas estavam menos destacadas, e ele correu muito e chegou num prédio antigo, como num sonho desconexo qualquer, edifício afim do dos filmes de aventura que se passam em cidades européias quaisquer, e o prédio era de um tom cinza mesclado misturado com um marrom escuro do tempo passado, e a porta era alta, e imponente e pesada, que ele teve vontade e necessida de tentar abri-la, e ele conseguiu, com uma facilidade que o deixou preocupado, não, não podia ter aberto como se não fosse nada.
A porta era tão leve que parecia suspensa no ar, e do outro lado ele avistou um salão imenso, e vivido, e colorido, e cheio de tanta gente que ele conhecia. Logo na entrada foi recebido com sorrisos, e acenos, e ele gostava disso, mas naquele momento ele não conseguia se prender a isso, ele precisava continuar, e lembrou que precisava correr, que tinha premência em seguir, no outro lado do salão iluminado estava a escada, e por um segundo ele pareceu sentir por onde seguir, e ele despedia-se de quem encontrava e corria, ganhou velocidade e se viu frente ao primeiro degrau, todos estavam ali no salão porém ninguém o mirava agora, ele não estava sob foco, e então deu o primeiro passo, assim, respirou fundo e deu o segundo, confiante, colocou o pé no terceiro, e sucessivamente em diante, até dar por si que estava subindo, e as vozes, a música, a luz do salão de entrada estavam ficando mais tênues, a cada centímetro de subida, e enquanto subia viu que era noite, que a lua estava cheia, e que a escada estava banhada por uma luminosidade macia, amarela, carinhosa, e que ele estava sozinho. A solidão que sempre lhe impulsionara a correr e a buscar companhia, freneticamente, loucamente, agora como imperativo determinava a seguir só, e as escadas se sucediam, e dezenas, centenas de retângulos de degraus sucessivos foram delineados por seus passos. E quando ele cansou, encontrou o topo, a escada acabara, em sua frente estava outra porta, dessa vez de dentro pra fora, e ela era tão alta, e tão imponente e tão linda que era mais especial que a de fora pra dentro, era diferente por fim, muito distinta de tudo que ele já atravessara. E a distinção lhe causou medo, no entanto curiosidade também, e ele resolveu estender o braço, e imprimiu energia, e a porta foi se abrindo. De forma segura, e gradual, a perspectiva e o vento tomavam conta de seus olhos, de seus ouvidos e de seu rosto, e de seus lábios, e orelhas. Sua face experimentava o céu do alto de uma noite de lua cheia. O vento era gelado e forte, e a vista era tão ampla e linda, que o novo o convidava a ir pra fora. E a área não tinha bancada, nem proteção, era um platô; como todos os de torres do relógio onde bonequinhos vestidos tradicionalmente a caráter avisam quando é meio dia e meia noite às suas cidades, sim, o ambiente lhe trazia a lembrança, a imagem de incontáveis desenhos e filmes que já tiveram como palco um espaço como aquele. Ele tinha medo do vento, da altura, e do novo principalmente. Quando começou a dar por si sentiu aquela descarga elétrica característica desses momentos ímpares, tinha alguém ali, não sabia quem era, mas havia. E ele olhou ao redor, e se viu sozinho, contudo tinha a impressão, tanto quanto da lua, do vento, e da visão panorâmica, que ele não havia chego até ali sozinho. A vontade de correr arrefecia agora, atenuava o turbilhão que antes o dominava, e a paz gostosa de sentir seu novo eu trazia o equilíbrio de um encontro com ele mesmo. Talvez havia sido preciso querer, talvez ele precisasse subir tão alto, e ir tão longe, pra encontrar de novo e pela primeira vez o seu novo si mesmo. A solidão só tinha lhe trazido pavor, -claro!-, só tinha lhe submergido em pânico porque ele nunca entendeu o que ele deveria sentir. Sempre houve alguém ali: ele mesmo sempre esteve ali, e ele nunca havia percebido.


'cause there's beauty in the breakdown