29 de outubro de 2008

Os seus dias tinham ficado meio diferentes, mais do que os já diferentes e novos dias anteriores. Medo e expectativa circundavam cada passo que ele sempre deu e continuava dando. Era como se uma aura disforme e condensada sempre estivesse rente ao solo e sob seus pés. O prato vazio encerrava migalhas claras e escuras, como num xadrez bagunçado, e os talheres dispostos sem ordem acompanhavam o copo vazio e a bagunça de seu.
Não parava de cair água do céu. O mesmo céu que parecia ser o lugar que ele sempre mais gostou, dos seus sonhos musicais e sacros, o mesmo alto onde ele sempre quis chegar, das estrelas que ele desejou um dia tocar. O firmamento era o palco dos vôos, como ele quis voar! Imaginação e realidade se combatiam a todo momento, numa batalha perpétua que lhe cansava cada dia mais, e que ia lhe esgotando, a conta gotas.
Que vontade de deslizar pelos céus, quanta vontade de daquela liberdade macia e carinhosa que ele procurava.
O céu estava cinza claro, e há dias tinham lhe dito que ele era cinza; que só usava cinza. Dentro da mensagem estava um recado, o mesmo recado que ele se mandava e não ouvia, procurar o cinza era uma forma de se anular, sempre fora, uma fase foi branco, e durante meses só vestiu a mistura única e branda de todas as cores, porém, há dois invernos o cinza era seu maior companheiro.
Um cinza que subtituiu a palidez alva, uma nova cor tinha casado com a sua vontade de calar, de arrefecer, e de apagar silenciosamente, sim, porque talvez ele achasse que já chamava atenção de mais por si só, e enquanto vestido com a neutralidade, quem sabe isso não deixasse as coisas mais turvas e mais simples pra quem mora aqui fora.
Hoje concluia que gostava do cinza, e que a cor combinava consigo de uma forma simbiótica, no entanto, a despeito do que acreditava, definitivamente não era a chuva e a instabilidade do tempo que o deixavam triste, sentir a onda da calma, o sono da penumbra e a quietude da ausência de sol, eram traços de momentos que não escolhia, que como sentimento dissolvido, se misturavam a uma receita sem medida, começo e fim, e a uma energia dissipada singela.
Estava satisfeito pela refeição, e estranho pelo sentimento, de uma ausência tentada e finalmente conquista, no entanto por uma presença não entendida nem que se pretendeu. Espaço vazio e ocupado, buraco aberto e preenchido, ferida exposta e cicatrizada, amor e carinho, orgulho e satisfação, saudade e dor.

Tarde

Um comentário:

Malu Rovaris disse...

Li tudo e parece que alguma coisa não entrou. Ando cinza e chuvosa também. E aquilo de "paz cotidiana" era mais uma afirmação pra mim mesma do que uma mera afirmação: tenho que me lembrar disso todos os dias pra tentar e recomeçar.

Beijo!