Vinte e três de abril e lá se vão dois anos. Eu sei que você não se recorda mais de mim na intensidade com que talvez eu me lembre de ti. Que eu fui só mais um dentro os outros todos. E que felicidade é mais simples do que se pensa. E eu queria te dizer que eu sei disso tudo. E a despeito de sabê-lo, ainda guardo, no fundo de mim, um baú cheio daquele amor que te empenhei. Confesso que venho tentando, apesar dos votos de eternidade, com cada vez mais afinco, quebrar o cadeado com que guardei minhas reservas de amor, mas não tenho tido êxito. Dia desses me propus a atravessar madrugadas em busca da chave. Atravessei estrelas, ventos, ondas. Na semana seguinte, me permiti colher desejos, toques, sinos, sonhos, fui par da juventude que não envelhece nunca. E apesar de todos os meus respeitos e minhas buscas, não encontrei a referida chave. Tenho pensado que talvez me reste uma chance, última. Se ela está perdida para sempre, quem sabe seja a hora de confeccionar uma chave-mestra. Que possua o segredo da trava. Que consiga escancarar o fecho, desenlaçar o bloqueio, libertar o tesouro que guardo no fundo de mim. E quem sabe eu não precise de ajuda alguma, como você bem tentou me dizer. Estou a caminho do encontro com o chaveiro que vai me acompanhar nesse trabalho, último, de acesso ao agora homem que me tornei.