12 de novembro de 2008


"deixa tudo ir, quem sabe o que voltar é realmente teu" m. l. r. c.

Pressa, premência pela realização do inédito que ele sempre esperou, peça de teatro da vida que não começa, vontade de deixar a página escrita, marcada, urgência que fez ele pisar em falso, faz ainda?, tantas vezes, tantas vontade que fez dele barricata, barreira, barragem, contenção de sentimento e de pessoa, controle que não existe, desejo que ele remete, e corresponde, e volta sempre, porque o endereço sempre está errado, sempre incompleto, porque sempre o destinatário se mudou, é ausente ou desconhecido. Quem escreve na carta que é devolvida pro correiro dele mesmo são as dezenas de porteiros do seu prédio da vida, que dialogaram com seu edifício, tantas vezes, tantos anos, tantos gostos, tantas tristezas, tantos sonhos, tanta emoção, tanto não-saber, quanto castigo objetivo completamente auto-imposto. As grades tinham ficado menores, muito menores, tão pequenas quanto nunca, mas ela ainda estavam ali, a um palmo, na sua frente, quase que coladas, colidindo de forma estática, sólida, movimento do sólido, apesar do espaço entre ele e a redoma de ferro, sentia-se eternamente comprimido, apertado, sufocado, prendido a alguma coisa que não era só o chão, não era só aquela âncora-eu, não, era a sensação do nunca conseguir, do nunca chegar, do nunca alcançar, do tempo que passa e muda tudo menos ele, do tempo que ajuda mas confunde, do tempo que é atemporal pra prisão, pra gaiola, algo que está no além do palpável; sim, do que se tateia, era da ordem do intangível. Será que vai demorar pra virem abrir a gaiola, pra perceberem que ele esteve ali o tempo todo, que ele está o tempo todo, esperando, gritanto, pedindo, suplicando, clamando, ao tempo, à vida, dá pra ele o mundo, e então, quando virão buscá-lo?, quando o resgate chega?, quando a ajuda, na fase e na forma certa, pontualmente, irão acertá-lo? O pingo da interrogação sempre lembrava uma lágrima, caindo, escorrendo na forma curva, ele queria viver, voar, queria abrir as asas, sentir o vento, ele queria aquilo do até então nunca possível. Aprender a gostar de quem gosta da gente? Será que ele sempre vai gostar de quem não corresponde? Algum dia a carta chega no lugar algum, algum dia alguém vai lê-la?, algum dia essa alguém vai se encantar por ela?, vai sonhar com e vai ir até o remetente, pra buscá-lo?, tocar a campainha, olhar em seus olhos, outrora azuis, e hoje castanho misturados, vai lhe sorrir, e esse alguém vai entender o que sempre esteve escrito ali, vai estender os braços, respirar fundo, e vai abraça-lo? A proteção esperada não é só a que se tange, é muito maior, é a daquilo que não tem tamanho, nem forma, nem medida, puro conteúdo, sentimento, inspiração. Algum dia, com o alguém, virá, de vez, o sol? Talvez o alguém não exista, e o seu talvez era a certeza do não, ninguém supriu, nem o companheirismo, nem a amizade, nem o carinho, quem sabe o fraternal aconchego do lar, porém era paleativo, efêmero, instântaneo, ele era outro, havia crescido, os anos passam, as pessoas interconectam, sintetizam, tecem, e ele fica sempre ali, descendo a tirolesa, às vezes travada, às vezes curva, sempre errada, quem é você ele se pergunta, o que é você ele exclama, quem somos nós, o que é isso que eu sinto, o que é isso que desloca, que perturba, que me faz escorrer, em sons das músicas que eu procuro, consumo e descarto, e sempre busco no lixo quando preciso, o que é isso que me faz tentar colocar na linguagem o que não está digerido, que me faz tentar as letras, que me arrisca nas palavras, que me ocupa com tudo o que não é o corrente, eu quero parar de escorrer no escuro, eu quero saudabilidade, ar livre, amor que bate volta, dor que vai embora, eu quero o fim da tristeza de sempre, da solidão do vazio, não quero mais a companhia do vácuo e da idealização, do sonho que me deixa só, o que é isso que me faz eu, o que me constroi, o que me leva, que me prende, o que deixo ir, o que ficar, ficará algo, onde?, e se não ficar nada, menos do que tudo o que sinto falta é o avesso do nada, é o tudo da ausência, é o contrário do que sempre poderia ter sido e fui como pude, meu Deus, me encontra, me acha, me segura, joga a luz que não se apaga, porque o não-caminho está chegando ao fim.

Um comentário:

Malu Rovaris disse...

"One of these mornings, you're gonna rise, rise up singing. You're gonna spread your wings, child, and take, take to the sky. But until that morning, honey, nothing's going to harm ya. No, no."

A chave tá escondida aí dentro de ti.

Te adoro.