Quero trazer cada lembrança à tona. Quero lembrar cada dor, cada medo, cada inveja, cada ódio, cada rancor, cada briga, cada desejo de vingança. Quero recordar cada dia triste, cada vontade de morrer, quero reassistir cada derrota, cada falha, cada queda que me fraturou, quero rememorar cada pavor, cada pânico, cada susto, cada palavra que me cortou e fez escorrer. Quero ver aqueles dias de espera, de dúvida e aqueles anos de angústia de novo. Eu quero mexer em cada fato mal acabado, em cada memória mal assentada, em cada palavra escrita mas não entregue, em cada palavra barrada e não dita, em cada censura-tortura, em cada desejo-pena, em cada sonho-mola, em cada dia de humilhação gratuita e não respondida. Eu quero, lembrar, recordar, reassitir, rememorar, eu quero ver tudo novamente, eu quero lembrar de cada dia, eu quero reviver todos os anos, os meses, ser inteiro como aquele garoto da terceira-série, onde no cavalu um mais nove mais nove mais oito eram vinte e sete, quando pão-de-queijo era pão-de-ló e chá era refrigerante, onde casebre era mansão, onde espera era existência, fé-esperança, bombom um luxo, requinte puro e sofisticação.
1998
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