22 de junho de 2009


É o céu recortado e marcado com um traço que corre do horizonte ao infinito. E no chão a árvore toda se recolhe e floresce porque é inverno e primavera. E o tempo parece que leva e não ao mesmo tempo, consigo, tudo aquilo de mais pesado e que na verdade deveria ser leve. E as cores parecem reunidas porque o verde e o preto da esperança e do começo se perpetuam na memória e não existe mais nada igual, nunca, e não se descobre o porque do ser diferente e o porquê daquela ausência marcante. As notas do piano são como as palavras que encantaram e quem sabe tudo tenha sido magia. Uma mágica que nos enfeitiçou, envolveu vocês, me tramou, enredou-vos e vinculou da forma mais profunda e indissociável a mim numa história que não foi minha. E nós fomos conectados naquele passado do ano do infinito por alguma razão que não sei legendar, olvidar ou entender. E todas as folhas se projetam agora como o vento que não se vê, porque só a brisa que senti explica como pode ser tudo o que morou aqui por ti e o que sentiste por ele e ele por você no até então. Hoje resta naquele armário as quatro páginas e naquela gaveta tua o amor maior e tudo de melhor que você viveu com ele. E não foi dito mais nada, e todas as tuas lembranças, imaculadas, daquele tempo da tua aurora mais radiante hoje produzem no balanço, aquele descompasso que te desconstuiu e aquele amor que te varreu inteiro. E o corte do teu céu que não cicatriza, porque você não pode ser livre de você mesmo, e eu me sinto no direito te escrever isso agora, que tua liberdade é tua maior prisão, porque não há como tornar soluvel essa essência, daquele que te fez nascer, porque ela faz parte de você. Nada, nem toda a sua técnica e teu dom e teu talento que transborda podem, nenhuma das tuas palavras conseguirá. Você negou, e então hoje se há a indagação, a responsabilidade é tua. E há quem queira voltar, porém não existe volta porque só há descontinuidade. E esse é aquele em que a poesia cheira à memória, e há uma fragrância suspensa porque tudo foi paixão e o desbravar teu me fez sentir no impulso, e se a tua vida foi transformada pela felicidade que ele te deu e a devassidão que ele te proporcionou, a minha foi radicalmente desconstruida pelo sonho que você plantou e pelo que você deixou transbordar e extravasar e emitiu quando fez de você mesmo aquele pedaço dele, me fazendo sentir, que um dia, eu ia ser de você, e porque não, dele também.

13 de junho de 2009

Pertence ao céu todas as letras e as palavras que saem de dentro de mim agora. Hoje faço vinte como quem não faz. Contemplo o azul que compõe meu universo, e os últimos raios fugidios do dia como aquele aventureiro que sempre buscou o horizonte. Faço duas décadas da história mais incrivelmente fabulosa e intensa e desaventurada que já conheci. Sou protagonista do tempo que nem sempre teve estrelato, sou o mosaico contínuo, a colcha de retalhos, o fundo da cascata, o homem na chuva, o garoto desengonçado, sou o artista da vida, meus dois nomes e meu apelido, o super-herói da escola, o melhor amigo que se perdeu, sou companhia do bilhete, a submissão pela adimiração e pelo amor, sou o compromisso com o futuro, sou o aluno do parabéns e do sonho, o estudante descontruido do presente, sou o caminhante do deserto, sou a semente que germina, sou todos os recortes de todos os textos e sou cada metáfora de cada ser ou não de cada eu, sou a contestação do incontestável, a negação do insolúvel, sou a atitude de vez em quando, sou o protótipo político, o e-mail de todas as páginas e um pouco de cada pessoa pela qual passei, sou a utopia e o romantismo reticentes, sou a esperança mais manchada e lavada e surrada de toda a face e de todos os pedaços de terra que já cruzei e sou o encontro da tentativa com o passo. Nesse dia que escapa pelos dedos conto as horas de um relógio que já usei e tento legendar o que não podia, porque eu sou tudo aquilo que eu queria ser e no fundo continuo sendo quem sempre fui, porque a mudança sempre me acompanha igual e eu não tenho mais a inspiração colorida de outrora, e tudo é tão mais volátil e intenso que são momentos e passagens inconstantes, e eu sou como aquele céu que se enche de nunves às vezes e que o vento leva embora tão velozmente quanto veio, e sou a chuva que não cai certa, e cada pôr-do-sol que parte, e cada cena de cada fim de dia, porque sou alguém que ainda não me pertence, e é por isso que estou na busca, infinita, por conseguir ser o garoto que eu me tornei.

8 de junho de 2009

Eram todos os recortes do céu unidos. Eram todas as nuves desconexas, todos os feixes de luz que atravessavam o vácuo. E era toda a tentativa de compreensão concentrada. A cascata inteira continuava a vociferar com fome, com uma sede insaciável e um apetite que não se satisfaz, a intesidade do choque das correntezas com o fundo da cachoeira era um estrondo de uma ordem em que barulho é silêncio e tudo se inverte numa sina do avesso que arrasta tudo que encontra pelo caminho. Desciam pelas corredeiras com aquele fluxo todas as coisas conhecidas e imaginadas e toda o mosaico independente de pedaços e recortes parecia ir se reunindo lá embaixo em uma configuração que desafiava a corrente natural de tudo. As poucas palavras que desciam inteiras se aglutinavam perto das imagens e um dia alguém olhou da borda do penhasco e quando toda a névoa arrefeu exclamou. Todas as interrogações se fizeram transmutar e enfim tudo era imagem. Estive congelado no tempo como quem precisa acordar de um sonho mas não está sonhando. E são só comparações porque a realidade não responde ao que não entendo e como não há compreensão porque extravasa. E o excesso que transborda é amálgama da ausência que varre tudo dentro de mim, e minhas lacunas todas, e minhas presenças invertidas, e todas as instâncias e tudo que acho que tenho e sou não passa do fundo da cascata abarrotado por fragmentos de coisas que não reconheço inteiras e continuo na busca por reunir o que pode ser que me constrói. E as palavras já não tem mais a mesma força de outrora e não consigo mais me fazer legendar porque há sempre alguma coisa suspensa e tudo aquilo que paira no ar já não me permite mais traduzir o que sinto porque no fundo não se render é apenas não abandonar a busca, e esse é aquele em que talvez consigo dizer o que quero porque é assim que tenho convivido dentro de mim.