27 de abril de 2010



Eu estou entregando as chaves hoje. A chuva acabou lá fora mas o que ela trouxe dos céus parece estar cada vez mais sólido e próximo do que deveria. Eu estou abrindo os cadeados, todos, e escancarando as janelas, tem umas trancas emperradas também, cujas chaves eu perdi, que eu estou destruindo com martelos. Estou desconectando todos os alarmes também, as cercas eletrificadas, as armadilhas, os chãos falsos e todos os mecanismos de defesa e proteção. Eu estou limpando as calhas também, quero que o vento fresco passe por elas junto com a água da próxima chuva. Eu já coloquei aquele guarda-chuva pra secar, lavei os lençóis, troquei os cobertores e coloquei os travesseiros no sol. Já não há mais nada envolto no escuro e em trevas. Cada centímetro agora parece estar envolto e embebido e encharcado em luz e claridade e leveza. Desde que você chegou no portão, lá fora, há segundo atrás, todo esse processo se desencadeou sozinho e não há nada que eu possa fazer pra refreá-lo, nem eu consigo me frear, parece uma marcha insandecidamente obstinada a cumprir com um propósito inadiável e improcrastinável. Por favor siga em frente, caminhe pelo jardim, continua seguindo em direção à entrada, pegue as chaves na mão, coordene os seus movimento com a fechadura, pegue firma na maçaneta e abra esse portal que sempre esteve à tua espera. Por favor, entre, olhe pros lados, sinta o perfume, escute a música, sinta a poesia escrita nas paredes, tatuada no teto, fixada nos vidros. Por favor, chame por mim, diga meu nome, exteriorize teus desejos, venha ao meu encontro. Por favor, acalma minha alma acesa e alva que agora alicerça a manhã que você desvela. Por favor, irrompe pela escada a cima e olha pro espelho do tempo emoldurado no fim do corredor porque ele guarda um segredo. Por favor, sussura e me encanta, porque eu nunca ouvi uma voz tal qual como a tua. Por favor, não fique parado nem tenha medo ou receio ou não deixe que nada te impeça. A partir de agora eu não me responsabilizo mais por essa casa sozinho, está tudo aberto, transparente, translúcido, cristalino, e eu não sei mais dizer nada, nem elaborar, nem descrever, nem escrever. Nada mais importa porque agora eu tenho você e você me tem. Com a benção de Caio F. Que assim seja.

25 de abril de 2010

É um recorte do céu de um dia de abril em que eu estava a caminho de casa. Tem duas nuvens diferentes que cruzam o céu e elas tem uma dimensão desconhecida. Eu tinha saído pra ajudar alguém que não queria mais ficar sozinha porque não queria mais sentir. E naquele dia eu acho que eu devo ter saído por alguma outra razão que transcende isso. Eu estou tentando encaixar, colar, engrenar, coordenar, juntas em pedaços. É como um quebra-cabeça novo e desconhecido, e imenso, e gigante, e amplo, e que dá muita vontade de resolver, solucionar, acabar, unir, terminar, e contemplar longamente pra se colocar na parede, numa moldura fina, e deixar lá, pra sempre. E aquele céu tinha duas nuvens a caminho. Uma delas escura, fragmentada, outra densa, iluminada, e elas compunham um arranjo inédito. Eu não queria que nada disso fosse repetido, e não é. São tantas palavras velhas que não cabem mais nessa esboço adolescente e juvenil de tentar traduzir um sentir tão confuso quanto convulso. Eu queria que toda madrugada fosse chuvosa se ela trouxesse uma gravata-borboleta com um presente em forma de esfera coberto por chocolate e recheado de avelã. Eu pensei em relacionar com espelho, e desisti porque não consigo apreender a imagem ou captar as formas de um ângulo imparcial. Você me ceifa a imparcialidade. O som, a sensação, aquele dedo-no-dedo, e aquela multidão em movimento desconexa pulsando e pulando e ebulindo por todos os lados e aquela sensação de encontro e triunfo e proteção e carinho e independência e liberdade de andar pelo meio da turba em fluxo e saber que você tem direção, vetor, sentido, copiloto na curva doce que você me faz sentir. E ainda tem alguma coisa da ordem de um sorriso que perpassa e pergola e penetra e atinge uma estrutura que eu não sabia existir ou ignorava a existência. Sem falar na amplitude de um presente apoteótico e sem sentido que você entrega e remete naquele jeito bom e lindo de existir. E me falta bagagem agora pra tentar elaborar alguma coisa que não soe repetente e igual a tudo que existe por aí. E existe uma lacuna, por fim, nesse fim, porque eu sinto que isso pode ser que venha a ser bem mais do que umas simples linhas rabiscadas no domingo chuvoso e gelado e cinza e mais bonito que eu já pude sentir e viver. E eu queria ter um guarda-chuva agora porque eu queria proteger você enquanto você dança na chuva; comigo.