É como se acendessem milhares de estrelas no céu. É como se iluminassem as trevas e as tornassem penúmbra. É como vencer todas as ondas gigantes que sempre arrasavam a praia. É como quebrar os grilhões que te prendiam à âncora. É como irromper pelas grades da cela. É como transcender todo o medo, a dor, o constrangimento e o sofrimento imbricados na pena perpétua da vida. É mais ou menos como sentir na veia a alforria formal. É uma espécie de estado de sobriedade acelerada que te retroalimenta de paz e amor. Eu queria que você soubesse que eu sempre estive perdido. Que eu sempre estive vagando pela tradução, pela tentativa moribunda e infrutífera de me fazer entender, expressar, proclamar, repartir, significar, transcender. E então chega um dia em que você, sem mais nem menos, ato contínuo percebe que não existe mais tentativa, que não existe mais necessidade, que não há premência, porque, motivo, razão ou circunstância para tentar ser. É como se tivesse uma hora, um momento e um espaço dentro do tempo em que você se percebe sendo. E aí, quando você é, não há mais nada. Todos os teus sonhos recorrentes são vencidos e obliterados, todos os teus medos e traumas são derrubados como muros, e você se vê, nu, diante de um espelho sem fim que em verdade é um campo verde infinito florido e agradável como a tarde mais confortável e especial da primavera. Tem alguma coisa a ver com uma espécie de estado transitório denominado de felicidade. Como quando tudo aquilo que você sempre quis sentir se torna sólido e imaterial e invade você na proporção da alma e então nada mais importa. É como se você recebesse as asas que sempre quis ter. E num salto, último, único, primordial, se lançasse aos céus do alto da torre em que sempre fosses prisioneiro de si mesmo. E por dentro dos ares, das nuvens, você e o vento se tornassem uma coisa só porque a vida é um mistério engraçado que sempre vai além daquilo que se vê. Diante disso, eu só queria que você soubesse que eu sempre tentava ser alguém que eu já era, e que a gente só consegue ser quem a gente é, de verdade, quando a gente se respeita plenamente, de forma visceral, nevrálgica e irrestrita, do começo ao fim, do princípio ao final, do primeiro dos fios de cabelo até a última das unhas dos pés.
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