14 de junho de 2010

É como uma fome plástica e plasmada e disforme. É um desejo dissolvido, dissociado, recortado e granulado em milhares de pequenas partículas invisíveis. Lembra uma tempestade de areia inversa, um ciclone de pétalas aladas, um tornado de luz performático. Também pode ser que faça você recordar de uma coceira insanável, de um formigamento autônomo e insubordinado, uma cãibra dentro do mar antes daquele mergulho perfeito daquela onde mais linda e reverberante e colorida e nítida e gostosa. E quem sabe não passe de uma incongruência sensível da qualidade humana perfeita de sentir ou mesmo de uma instabilidade adjunta da própria constituição que nos compõe. Queria poder tecer construindo sob o fundamento do azul celeste um prelúdio poético e pessoal adornado de nuvens mas não posso. Meu céu anda cruzado e tingido e misturado por infinitas intersecções múltiplas e aleatoriamente destinadas. Como se a sorte surpreendente tivesse se encarregado de ilustrar e compor tudo sem precisar de nenhuma ajuda. E todas as luzes de todos os postes e todas as sombras e todos os brilhos e flashes das noites geladas e frias e chuvosas não me fazem esquecer. É como se o próprio outono que agora termina tivesse congelado dentro de mim um tempo novo e quente e paradoxal que me causa arrepios de choques térmicos com a realidade. E tem um leão que é rei que acabou incorporando uma responsabilidade não pretendida. Ser ator não significa ter que arcar com o espetáculo sozinho, o protagonismo exige sempre, em última instância, a superação de si mesmo frente ao espetáculo, platéia e palco são portanto solidários pelo sucesso da apresentação. Não há univocidade. E tem dois traços no céu desse fim de tarde aquarelado. Como se rei e súdito. Príncipe e servo. Leão e coelho. Imaginação e sentimento. Letra e voz. Se interconectassem, se fusionassem, se amalgamassem num arranjo celeste leve lúcido-translúcido cristalino iônico válido e musical secretamente solubilizado em amor.

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