Alguém ali
Um. Dois. Três.
Ele estava correndo. E enquanto se deslocava numa velocidade intensa, descomunal, percebia que as coisas estavam ficando menores, não propriamente pequenas, mas estavam menos destacadas, e ele correu muito e chegou num prédio antigo, como num sonho desconexo qualquer, edifício afim do dos filmes de aventura que se passam em cidades européias quaisquer, e o prédio era de um tom cinza mesclado misturado com um marrom escuro do tempo passado, e a porta era alta, e imponente e pesada, que ele teve vontade e necessida de tentar abri-la, e ele conseguiu, com uma facilidade que o deixou preocupado, não, não podia ter aberto como se não fosse nada.
A porta era tão leve que parecia suspensa no ar, e do outro lado ele avistou um salão imenso, e vivido, e colorido, e cheio de tanta gente que ele conhecia. Logo na entrada foi recebido com sorrisos, e acenos, e ele gostava disso, mas naquele momento ele não conseguia se prender a isso, ele precisava continuar, e lembrou que precisava correr, que tinha premência em seguir, no outro lado do salão iluminado estava a escada, e por um segundo ele pareceu sentir por onde seguir, e ele despedia-se de quem encontrava e corria, ganhou velocidade e se viu frente ao primeiro degrau, todos estavam ali no salão porém ninguém o mirava agora, ele não estava sob foco, e então deu o primeiro passo, assim, respirou fundo e deu o segundo, confiante, colocou o pé no terceiro, e sucessivamente em diante, até dar por si que estava subindo, e as vozes, a música, a luz do salão de entrada estavam ficando mais tênues, a cada centímetro de subida, e enquanto subia viu que era noite, que a lua estava cheia, e que a escada estava banhada por uma luminosidade macia, amarela, carinhosa, e que ele estava sozinho. A solidão que sempre lhe impulsionara a correr e a buscar companhia, freneticamente, loucamente, agora como imperativo determinava a seguir só, e as escadas se sucediam, e dezenas, centenas de retângulos de degraus sucessivos foram delineados por seus passos. E quando ele cansou, encontrou o topo, a escada acabara, em sua frente estava outra porta, dessa vez de dentro pra fora, e ela era tão alta, e tão imponente e tão linda que era mais especial que a de fora pra dentro, era diferente por fim, muito distinta de tudo que ele já atravessara. E a distinção lhe causou medo, no entanto curiosidade também, e ele resolveu estender o braço, e imprimiu energia, e a porta foi se abrindo. De forma segura, e gradual, a perspectiva e o vento tomavam conta de seus olhos, de seus ouvidos e de seu rosto, e de seus lábios, e orelhas. Sua face experimentava o céu do alto de uma noite de lua cheia. O vento era gelado e forte, e a vista era tão ampla e linda, que o novo o convidava a ir pra fora. E a área não tinha bancada, nem proteção, era um platô; como todos os de torres do relógio onde bonequinhos vestidos tradicionalmente a caráter avisam quando é meio dia e meia noite às suas cidades, sim, o ambiente lhe trazia a lembrança, a imagem de incontáveis desenhos e filmes que já tiveram como palco um espaço como aquele. Ele tinha medo do vento, da altura, e do novo principalmente. Quando começou a dar por si sentiu aquela descarga elétrica característica desses momentos ímpares, tinha alguém ali, não sabia quem era, mas havia. E ele olhou ao redor, e se viu sozinho, contudo tinha a impressão, tanto quanto da lua, do vento, e da visão panorâmica, que ele não havia chego até ali sozinho. A vontade de correr arrefecia agora, atenuava o turbilhão que antes o dominava, e a paz gostosa de sentir seu novo eu trazia o equilíbrio de um encontro com ele mesmo. Talvez havia sido preciso querer, talvez ele precisasse subir tão alto, e ir tão longe, pra encontrar de novo e pela primeira vez o seu novo si mesmo. A solidão só tinha lhe trazido pavor, -claro!-, só tinha lhe submergido em pânico porque ele nunca entendeu o que ele deveria sentir. Sempre houve alguém ali: ele mesmo sempre esteve ali, e ele nunca havia percebido.
'cause there's beauty in the breakdown