31 de janeiro de 2009


Minha violência é um monstro às avessas. A energia da dor e do sofrimento alimenta um ser que é como veneno letal condensado, de uma dor mágica e enegrecida pelas formas e pelo tempo. Ela é uma cobra sem boca, uma abelha sem ferrão, um escorpião sem cauda, uma água-viva sem toxina, um orifício sem espinho, um leão sem dentes, um gavião sem olhos. Minha violência não extravasa, ela se dissolve em mim e se acumula em cada extremidade, em cada pedaço de meu corpo, estou tomado pela raiva e pela culpa, e como não consigo extingui-las, nem esquece-las, nem transpassa-las, elas me envenenam, me envelhecem, me definham, minha violência me mata por que ela compete com o ímpeto de vida que habita em mim. Minha raiva e meu ódio não podem ser compartilhados porque não mudam a história, porque não reescrevem meu nascimento, porque não alteram a dor do que passou, as palavras que foram ditas, as cenas assitidas, os socorros não atendidos, minha raiva é como um amor não correspondido, como minha maior e mais profunda paixão rechaçada na mais perfeita comparação, na mesma proporção. Pergunto agora o que faço com toda a dor, a mágua, a raiva, a rejeição, e aqueles dias eternos dessa vida tão curta mais tão marcada, o que fazer de uma vida que começou torta, errada, incompleta. Eu não encontro reflexo do que sinto no mundo palpável, meus sentimentos são indesejáveis, condenados, desaprovados, inoportunos. Onde foi que eu errei é mais uma indagação, da coleção mais absurda e crua que tive de ouvir. Erro? Talvez nascer seja um erro, do qual sempre me atribui culpa. Hoje, com a ciência de que não posso retornar pra tentar ser diferente do que sou me resta a confusão que me domina. Quero encontrar a válvula que libere, a substância que metabolize, a palavra que trucide, o encontro que dilacere, quero que minha violência morra e que não me mate, quero que meu ódio me abandone e me deixe só, como sempre fui e sou, quero que minha mágua parta de mim em cada lágrima como essa, agora, que escorre do lado esquerdo da face, quero paz pro passado que não volta e luz, faço esse pedido de urgência e de entrega, porque meu futuro é negro, as sombras se espalham pelo chão e meus passos são cegos, meu presente de espera e dor é tortura, e eu proclamo, com cada letra de cada palavra que ainda posso proferir, que eu não aguento mais. Minha vida é um acumulo absurdo de lembranças e medos, de rejeições e isolamentos, a solidão que é defesa também é prisão, e a exclusão de um amor que ama e que machuca e que o faz pretendendo incluir é meu maior algoz. Eu não escolhi tanta coisa, a maioria das coisas que aconteceram comigo eu não tive como escolher, como uma criança pode saber o que sentir ou não, o que ouvir ou não, o que assitir ou não, como repartir algo que não pode ser repartido. Eu só não sei das coisas, eu não sei quando, nem onde nem como porém um dia isso tem que acabar, e eu espero, com todas as forças que ainda restam dentro do meu coração, que a esperança continue a me guiar, e que eu saiba subir desse poço, fundo e escuro, gelado e infinito no qual eu cai, e que minha âncora seja leve pras minhas asas, e que não me acorrente, nas profundezas, na pedra mais pesada, pra sempre, até o meu fim.

28 de janeiro de 2009


É no amanhã que sinto a tua falta. Numa daquelas minhas viagens por ai, li um depoimento que foi como um reflexo, me senti escrito como quando você se olha no espelho, e naquele dia, se reconhece naquela imagem que ali está refletida. Sim, eu sinto saudades de coisas que não vivi, eu tenho medo de ficar sozinho e de perder coisas que não me pertencem, é como se eu esperasse por ter aquilo que eu nunca tive mas que eu sinto como deve ser ter. Uma vez eu achava que eu gostava do que não existia, e o fazia por não entender o que eu sentia e por não saber nomear o que me agita, me atormenta, me suga, me injeta, me amortece, me vitamina, me mantém, me segura, me entrega. Eu ainda não sei nomear as coisas mas começo a reconhecê-las, e as desejo, ainda que de forma tímida, culposa e parcial, pra mim e por mim. Não me imagino realizando-as, muitas vezes elas são um combústivel imaterial que me leva em sua direção e que dúvido muito que conseguirei encontrá-las. Meus desejos e sonhos são o que me mantém vivo, é como uma âncora-combústivel, que me alimenta e me acorrenta simultaneamente. Eu sou uma pessoa simultânea, e vivo uma vida una, porém dividida, recortada por condicionamentos materias e sentimentos que não escolhi, é estranho não querer ser quem se é, ou então querer ser quem é porém diferente. Sempre os iguais-diferentes, a busca do outro em você, eu tenho um problema com felicidade. Eu não consigo ser feliz. Eu tenho um vazio, uma dor, uma coisa estranha que me perturba, que me faz nunca querer estar onde estou, que me dá gosto por músicas tristes e que me escraviza dentro de mim mesmo, como um escravo açoitado por um capitão-do-mato que não é ninguém mais ninguém menos do que ele mesmo. Eu ainda sou aquele adolescente atrasado, que está descobrindo o mundo, pela primeira vez, como se sua vida não tivesse sido uma estréia, e sim um ensaio infértil e infrutífero. Foi um fracasso pra ser franco. Naquelas horas de nó na garganta e lágrima pronta pra escorrer, eu sinto como se eu fosse explodir implodindo, e minha vontade é de desligar, sem eufemismo, eu tenho vontade de morrer por que isso me silenciaria, faria aquelas vozes que gritam dentro de mim se calarem e quem sabe aquela coisa que me tortura e me persegue definhe e desapareça com o meu fim. Eu acordo e vivo todo dia movido pela esperança de um dia poder ter o que não tenho, de possuir o que não possuo, de viver o que não vivo e sobretudo o que não vivi. Eu tenho esse desejo absurdo de me realizar, de ser feliz adoidado e de fazer outras pessoas felizes. Meu desejo é de entrega, doação, cumplicidade, troca, amizade, carinho, amor. Eu desejo compreensão e um companheirismo cheio de coisas que se parecam comigo mas que sejam diferentes de mim, para que eu possa estar sempre mudando, me transformando e me compeltando. Numa ciranda que persegue a perfeição e que realiza com maestria a sina da vida. Me imagino numa sacada limpa, fresca, com um vento gostoso, leve, sentado numa cadeira macia, com uma bebida gelada, olhando pro mar lá fora através dos olhos de uma pessoa que olha pra lá e que sorri, que está ao meu lado viva, limpa, brilhante e linda, alguém especial, que mora em mim e que me faz ficar aqui, sempre, na mesma sala de espera.

16 de janeiro de 2009

Era um caminhante solitário, desengonçado, e triste. O vento em seu rosto era fresco, lavado pela chuva ele trazia encerrado em si a noite e o entardecer certeiro e gradual. A grama em seus pés estava verde, viva, vibrante, havia gotas fixas em toda a parte, em toda folha, como se num mosaico salpicado, bicolor e translúcido. No limiar do caminho estavam as pedras, sujas de terra, borradas num marrom manchado, forte e tenaz, ao longe se avistavam os pássaros, partindo, pra longe. E a sua companhia era a canção que tocava todo dia no mesmo tom, cantada pela mesma voz, acompanhada pela mesma dor, uma dor que não lhe doia na perna, no braço, ou nas costas, era uma dor estranha, intensa e branda ao mesmo tempo, uma dor que não passava, que esmorecia e revigorava-se sempre, uma tristeza leve e persistente. Seus pés calçados ignoravam a sola de seus calçados, e estavam molhados, atendiam ao tato sentindo a água gelada da chuva, intermitente, teimosa, cinza, como se os céus fizem a sua vontade. O garoto tinha lágrimas guardadas, extravasando, enchendo-lhe, na borda de sua razão, a fonte de sua distinta resistência. As árvores balançavam ao som do vento, como se em sintonia, ora leves, ora agitadas, elas cantavam ao seu modo, acompanhavam seu caminho, correspondiam à sua presença com sinais sonoros. Ele caminhava devagar e deixava a água escorrer por suas roupas, agora encharcadas, e tentava fixar seu olhar no horizonte, nublado, turvo, inconsistente. A palma de suas mãos mexia em seus cabelos como forma a suavizar sua tristeza, quem sabe talvez elas procurassem uma entrada para sua mente, uma forma de apalpar o que doia, de retirar o que latejava, de atenuar seus sentimentos, gastos, confusos, inconformados, marcados pelo caminho que jazia pelos seus passos traçados. A noite caía mais uma vez, junto dela raiava a primeira estrela, luzindo, perene, no começo do céu, acima da borda nublada e ainda clara pelos restos do dia. Suas roupas estavam pesadas e seu corpo já não lhe respondia mais como antes, cada passo era mais gelado, difícil, e cansado, e suas memórias vivas pareciam lhe dizer pra parar, pra encerrar essa jornada louca, solitária, esperançosa e penosa. Cada árvore acomodava-se agora que o vento arrefecia, grilos, esparços e cigarras, juntas, emitiam suas vozes com vigor, paixão e vontade, sensações e sentimentos que o abandonavam pouco a pouco, sua vida era como uma âncora em terra firma a ser carregada, apesar do costume, ela nunca estivera tão pesada, e residia nesse fato, da fadiga e do esgotamento, a essência dessa dor crescente e forte, uma desesperança tão real e palpável que ele já sentia o frio da noite nos olhos que marejavam e soltavam aquelas lágrimas salgadas, concentradas, retidas, e ele cedeu à força do peso, e sentou, na noite caindo, fria e gélida, sob aquela chuva sem vento, numa paz irônica e cruel, sob os pontos cravados de estrelas longínquas no céu e sonhos perdidos nos seus passos, pelo caminho marcado, que ficava para trás, sozinho.

15 de janeiro de 2009


A música soava leve e sincera, e ricocheteava em sua alma, tocava em cada medo, em cada temor, em cada sonho, cada espera, cada necessidade postergada, silenciada e amordaçada. Ele caminhava meio sem saber o que esperar, o que pretender, o que querer, na verdade, quanto mais se conhecia e sabia, menos entendia, uma razão estranha, uma ordem que não era dele, determinações, rótulos, marcas de uma vida tão descolorida, tão traçada a caneta, sem direito a borracha, lápis, correção branda, com coloridos de lápis de cor emprestados, ausentes, diminutos, rarefeitos. Amar era como o estranhamento de um encontro, como uma espera boa e gelada. Ele era um garoto que amava, em silêncio, em volume alto, ele amava em tantos tons, em tantos matizes, ele amava em canção, ele amava em palavras, ele amava em olhares, e ele amava cada dia quando acordava, e era cego, e inebriado, e tonto, e ele era tudo o que era pelo amor. Ele amava demais, e talvez amasse errado, ele era entupido de amor, amor que não fluia, não trocava, amor que não tocava, não sentia, amor que não se permitia, que se acorrentava, se escondia, amor que confundia, que atordoava, quem sabe tudo sempre fora questão de amor e dor e sentir?
Havia umas lágrimas escondidas em cada nuvem de cada pôr-do-sol dos últimos dias, havia um sentimento de tristeza por trás de cada música, cada filme, cada beijo assistido, em cada eu te amo visto, havia medo, tristeza, culpa e dor por de trás de cada palavra dita e sorriso entregue, havia tanto a ser discutido por ele. Havia amor, e tristeza, e a espera, e isso era tudo. Ele se montava todo dia, se desmontava em cada crepúsculo e ele pensava quantos dias mais, quantas semanas, quantos meses ainda resistiria a essa auto-linha de montagem, a esse medo de viver, a essa resistência de dor, a essa mágua do mundo, a esse céu escuro de nuvens carregadas que não deixavam espaço pra entrega, como a de cada raio de sol, em cada novo alvorecer.

11 de janeiro de 2009



Era como uma praia cinzenta, num inverno incessante, num fim de tarde nublado, gelado e escurecendo. Seu interior tinha tantas semelhanças com aqueles cenários, paisagens que traduziam suas emoções, cada novo dia, mesma vida estática, congelada, derretendo aos poucos, num degelo que obedece a uma lógica absurda e inversa. Ele sempre chegava a conclusão de que estava cansado. Um nada sempre adormecido despertava, e com ele a força destrutiva e irrefreável do vazio. Um silêncio tão gritante e pavoroso que extinguia cada sopro de vida, que eliminava cada feixe de luz, que definhava cada sonho, detalhe por detalhe, e os desfiava até sobrar um monte de ilusões gastas, recicladas, novas e velhas simultâneamente. As folhas que ele teimoso fez nascer, e brotar, e ganhar envergadura cediam ao passado de ausências, dor e medo e emagreciam como sua face jovem e marcada. O caule que sonhava ser vistoso, e que havia estado na transição de seu verde juventude para o marrom adulto, interrompera seu ciclo, ele enegrecia e se tornava mole, como se num choro interno, morrendo, não pudesse pedir socorro mas pedia. Ele tinha vontade de renascer ele diferente. Como o sol que irrompe a escuridão de cada manhã, ele queria amanhecer sem marcas na sua pele tão gasta, ele queria que suas mãos fossem tão mais lisas, e que o toque áspero não lhe pertencesse, ele queria ter os olhos brilhantes, de oceano, que ele já portara, ele queria receber novamente a capacidade de estado sinistro, gauche, ele queria ter podido ser tão feliz. O passado era como um jantar atravessado, mal digerido, não mastigado, como aqueles remédios encapsulados que somos obrigados a tomar e que nos trancam a garganta. Suas pontadas eram cada vez mais agudas, pontuais e concentradas. O entendimento havia trazido mais certezas e mais confusão. O céu nublado, a canção triste, incompreendida, sua alma cheia de inflamações, tantos cenários, quantos personagens e na soma de balanço, que tremenda solidão. O macio dos lençois rasgados ia embora com a incapacidade de exercer seu papel, o tempo chamava o tecido de volta, a se tornar resto, a se decompor em paz. Os gritos mudos de dentro dele ainda não tinham cessado. Ele estava cheio de um vazio povoado, de uma confusão pretendida a ordem, de barulhos inaudíveis, de canções tocando sem autoria e letra. Os tantos não fins de todas as histórias não suas eram muito para tão pouco espaço, as grades não eram tão maleáveis, sua capacidade não era tão dúctil, sua força era muito mais volátil do que sua esperança, seu medo vencia sua coragem, e a cegueira pela dor forçava a luz a não voltar mais, a reluzir dourada, e intensa, e por fim, se extinguir.

9 de janeiro de 2009


Sinto como se cada novo dia fosse uma nova chance não possível, como quando se convida alguém e sabe que esse alguém não comparecerá. As dúvidas que povoam cada pensamento são questionamentos de todas as ordens, múltiplas, reincidentes, de sortes pacíficas nos outros, no mundo. A busca pela satisfação dos sentimentos é uma batalha encerrada em si mesma porque não se há certeza do que satisfazer, em consequência de não se saber o que se quer realmente satisfazer. A insatisfação que motiva a raiva quotidiana que se morfa em tristeza reside no fato inquestionável e indubitável de uma realidade cruel e finita, limitada e pequena. Os limites sempre foram meu algoz mais impenetrável, invencível, intangível. O que espero se traduz pela não expressão, pelo que não digo, talvez pelo que nem sinto, porém pelo que espero. Não consigo mais escrever como eu gostaria, não consigo mais depositar nas palavras minhas dores, não, minha dor, porque apesar de latente e pontual, o sofrimento atinge o todo no âmago. Minha vida é a sucessão de novas esperanças falidas, de ilusões retroalimentadas e de sonhos que habitam do outro lado do limite. Sim, vivo na busca incessante por cruzar o limiar, por transgredir o imposto, por desafiar a sina do destino que me condicionou. Cada novo dia traz sempre as mesmas sensações. Às vezes mais intensas, às vezes mais tênues. Borradas ou não, sou como uma mancha que desbota e se renova sempre mais vívida, nova e intransigente. Como um botão de rosa que nasce, desabrocha e antes do ápice da plenitude da vida, regride, retrai, se encapsulando novamente, definhando folhas e caule, em semente.

7 de janeiro de 2009



Quando eu fui jovem a borda do horizonte era colorida, mesclada, amarelo-rosada, coloria o azul pálido que adormecia todo dia, no mesmo momento, em tempos diferentes. Tudo dentro dele era vulcão, instinto, urgência, tentativa, vontade, o desejo o consumia inteiro, e ele o alimentava como criação, elemento que mandava, guiava, sua ambição era desproporcional, sua inveja incontrolável, e sua ânsia por possuir e consumir a vida de seus sonhos tinha a dimensão de um céu inteiro, coroado por uma lua alva, brilhante, manchada, presente, imponente, quase-completa, parcial, incompletude que era como ele, pedaço de gente, meio sonho-meio ilusão. Emoções puras que implodiam, explodiam, misturavam, desciam e cresciam, subiam sem fim. A mesma espiral, temporal, do passado, as mesmas dúvidas, as mesmas questões, sempre o suspiro de incompreensão, a mesma interrogação que não o deixava tranquilo. Necessidades, incapacidade, falência da criatividade, da expressão, de comunicar, de endereçar, derrota do olhar, da coragem, da capacidade. Limites, barreiras, paredes, todas invisíveis, inorgânicas, imateriais, porém tão mais concretas que tudo que ele podia tocar. Correntes invisíveis, prisão inescapável, grades, céu do outro lado, mundo lá fora que convida e não recebe, desejo que não corresponde, que não lhe envia, visão quebrada, limitada, enclausurada, infinitas passagens sem saída, canto silencioso que atormenta, badalada que ressucita, pancada que desmonta. A tarde se deitava como quem foi sem querer, deixou-se perder, partir, e mais um dia cheio de coisas inomináveis se findava. O céu ainda estava borrado, tingido, aquarela celeste que inspira, natureza que brinda, conforta, som que leva dedo na tecla, emoção à tela, sonho pra fora, caminho nublado em que pisa ele.

30 de dezembro de 2008

O verde e o silêncio compunham um arranjo dúbio: a paz e a tranquilidade se entrelaçavam à solidão que vivia na borda, à espera de um convite para estar junto. Foram dias vendo a noite cair, o silêncio chegar na espera vigilante por todos, por eles. Foram tantos medos, e tantos receios, e tanto escuro, que estar sozinho era cruzada intransponível e traumática. Pavor dele, medo, dor. O céu estava muito mais azul do que sempre estivera, as nuvens estavam longes, e tanta coisa estava mais clara. O tempo passava e ia arrastando, levando com ele tudo aquilo que estava há muito estancado, parado, barrado, cedido. Palavras, letras, coisas soltas, tons que se acumulam, sons, batidas do coração, são nós na garganta e epifanias que traduzem sentimentos, sensações, que entregam ao mundo seus sonhos, devaneios, vontades, desejos de menino, homem, filho, ser humano.O mesmo verde e a mesma tranqüilidade agora se travestiam em novo caminho, em esperança de olhos arregalados, em vento que sopra rejuvenecido pelo alvorecer das novas chances, dos novos olhares, do querer novos amores, novas paixões e com aquele cheiro característico, fresco, convidativo de tudo aquilo que é novo. Poente que era simbólico de renascimentos precedidos de quedas, da sina que cumpre-se à risca. Água gelada que anuncia batismo, coração ritmado que se reconquista, fé na digestão do pretérito e nos encontros cheios de desafios do novo ano, música que conduz, inspira, encontro que aglutina, nota que pesa, que formata, amarelo que envolve, luz que cobre e engrandece, dourado que anuncia, areia que circunda.Respeito que é aprender, vontade de gritar bem alto, pro infinito, peixinhos, branco alvo, olhar cruzado, oceano, viver matizado em corpo, desenho, traço, encanto da vida. Sonho do conto de fadas ainda não vivido, da peça assitida, da atuação cativa no futuro. Vida viva que espera ansiosa por amor.



27 de dezembro de 2008


Tenho em mim todos os sonhos do mundo. São todos meus. E se não são meus então são eu. Sim, sou uma massa vivente de vontades, desejos, ambições e espera. De todos os múltiplos anos de trezentos e tantos dias, sua grande totalidade deles passei no aguardo, no projeto, na idealização, na sala de espera da vida. Cansei de ficar sentado, mesmo sem saber como me manter em pé, levantei, tentei passos, busquei equilibrar-me e não consegui, cai, me machuquei, clamei por ajuda, me ergui, e mais uma vez, sentei, e levantei, e segui dentro da sala de espera. Sou adolescentemente claro quanto a isso, não tenho mais paciência, tenho urgência, vontade, desejo, sonho, quero felicidade, adrenalina, emoção, movimento, quero cruzar a porta da sala, quero o fluxo, o trânsito, a aventura da existência. Ainda não consigo imaginar o mundo lá fora como ele deve ser, ainda me enfeitiço, me encanto, fantasio em demasia. Espero que a maturação progrida, que eu enrijeça, cresca, intensifique o equilíbrio. Eu quero coragem, sorte e realização. Estou me conformando que somos sozinhos, que nascemos sós, e que ninguém exceto nós mesmos nos acompanha sempre. Céu azul, sol de verão, sorriso na fronte, novo ano de experiência e espera nova. Os bons, como diz a etiqueta, nunca se rendem.

20 de dezembro de 2008


Aquilo que se conquista não se pode delegar, não se entrega, não se dá, não se doa, só se deseja. Desejo que é sim entrega, porém de um querer tão mais simbólico e bom. Atitude humana refinada e doce, sublime, leve, sofisticação que encanta, fantasia que nos guia, onde quer que a realidade nos leve. Escrever é um pouco de ser, um tanto de vontade e muito de necessidade. Se esparramar no papel é se dissolver em letras, que te devolvem teus sentimentos, misturados, mixados, confusos, amalgamados em palavras ordenadas por lógica, senqüência, tentativa de se fazer (e) entender(-se). Era o som que o tocava, a nota gelada da música que o fazia viajar, dali, do sofá carregado de histórias, coadjuvante passivo de toda uma vida vivida como pode ser, que ele transgredia a realidade, e compunha-se de toda a coragem que poderia ser dele para viajar. Sua imaginação era trem, merkaba, veículo espacial, inter-temporal, o gosto do embalo era o de um infinito e tranquilo campo verde, meio claro-meio escuro, cheio de vento, e céu azul, e mato grama. Vento fresco, alma nova, inovando, estreando, sentindo o viver, encontrar-se e encarar-se. Não mentir, pedir, palavras que raspam na pele, que ricocheteiam na alma, que travam a batalha no muro. Da fortaleza; sim, ele ergueu uma, e eles querem invadi-la, estão tentando, avisaram-no, seu maior exemplo lhe alertou, e ele ouviu. Os guardas estão a postos, inexperientes, verdes -na ambigüidade permitida-, mas corajosos como seu senhor. Desejo vento, azul, e o vermelho que brota de dentro e me leva. Sou juvenil, sentimento puro, amor-desejo, carinho, medo, coragem como paixão.

17 de dezembro de 2008


Era ainda a sua urgência juvenil. E sua fonte de inquietação, assim, clara, explícita, lhe tranquilizava, porque no fundo ele sabia o que o artomentava, não como pavor, mas como angústia: sua vontade de viver. Talvez o mesmo tempo que ajudou a converter e transformar seus sentimentos e sua história, agora estava sendo requisitado de outra forma, mas o tempo é um só, e talvez por isso ele não possa corresponder... Ah, como poesia era coisa linda, mágica, como ele podia ver o que sentia nas letras, nas frases, tecidas, esculpidas em fragmentos, pedaços de pessoas como ele, não estar sozinho no mundo do sentir era um alívio. Ainda não entendia direito como viria a ser. Ainda não estava sentindo tudo como deveria sentir. Sentiria um dia? Metade medo, metade todo o resto.
Eu fecho os olhos e desejo, desejo um mar de arrepios de alegria, de surpresa boa e de realização. Pedi pro papai noel que realize meu desejo, que me conceda aquilo que eu mais quero, a concretização da espera e do sonho, que pode ser conversão da simpatia, descoberta do novo, surpresa do entorno, resgate do seu marco, infinitas possibilidades resumidas a um encontro, um ato, um carinho. O sol vinha vindo, cada vez mais de vez, havia dias de nublado dentro dele, sim, mas já não chovia, as lágrimas pareciam ter entrado num sono tão diferente, sabe, na verdade lembrar de tudo parecia acordá-las mas elas não despertavam por completo. A inspiração pra derramar no papel e na tela o indizivel também estava tênue e sem aquele brilho de encanto que eu gosto, porém essa era uma etapa, uma fase mais, um momento pelo qual a travessia que iniciei possui. Sim, foi uma travessia, ainda está sendo. Cruzei uma prisão gigantesca e sombria, um deserto tortuoso e desfigurante, encontrei alguns oásis durante o percurso, quase tombei em muitos momentos, e encontrei a selva, quando sai do outro lado, encontrei uma praia extensa, quase sem fim, e ainda estou caminhando por ela, na busca por algo que acredito ser, é o que me deixará mais perto da plenitude do querer viver e sentir-se; daquele jeito que dá vontade de caminhar sem medo e destino, que faz a gente adormecer e despertar prontos pra cada novo desafio, pra realizar cada desejo e respeitar cada vontade: amadurecendo sendo cada vez mais si mesmo - com aquele gosto que faz da gente pura luz, sorriso e amor.

14 de dezembro de 2008


A pergunta. Sim, foi ela que levou ele tão longe e me trouxe até aqui. A dúvida e o sonho me guiaram até uma vida nova, uma vida que transformou-me, em ser novo, revestido, recheado, em pessoa nova, disposta, autêntica, eu vivi a vida, e ela me devolveu a experiência inédita de ser quem sou. Ser eu mesmo é pra mim uma experiência tão nova e intensa que me custou dias, semanas, meses inteiros. A experiência de encarar a si mesmo, e de me trazer a mim, de me devolver a quem eu pertenço, a sensação de receber algo que é meu e que eu, porém, nunca tive, é a de alguém que sentiu na pele o sentir. Amor, sim, eu amei, e amei muito, tanto, e de forma tão louca e urgente que cai num abismo escuro dentro de mim, e a solidão me corroeu, me enlouqueceu, no entanto me encorajou, me fez pedir socorro, me fez errar também, contudo nunca acertei tanto e jamais eu havia feito até então, tantas escolhas corretas. Hoje, nesse crepúsculo de dois mil e oito, quero proclamar a mim mesmo, e às nuvens, à chuva, ao céu e ao sol, e a todos aqueles que me são caros, que nasceu enfim, o mesmo menino novo. Foi desfeito o papel imposto, a cena montada, o artista pretendido se despediu do palco, a transformação é a mudança de alguém que passou a escutar seu próprio coração, e que encontrou no mundo, nesse mesmo mundo que o levava desejar morrer tantas vezes, pessoas com quem compartilhar seus sentimentos, seus sonhos, com quem compartilhar-se, e dividir-se, doar-se, entregar-se e mudar-se. Nessa madrugada, ele sentiu na pele aquela mesma felicidade, pura, intensa, letalmente revigorante, inesquecível, tão concentrada que ele sentiu o gosto da vida, do bom viver, do bem viver, e ele agradeceu a cada um deles, os dois, seus maiores presentes por ter tido toda essa experiência. Eu não acredito que isso tudo é real, que tudo isso foi real, eu não consigo acreditar que eu recebi palavras, sentimentos, desejos remetidos a minha pessoa, eu nunca me senti tão querido, tão amado, tão companheiro, eu nunca confiei tanto, eu nunca me senti tão bem, eu nunca fui tão feliz como nesse dois mil e oito. Ano inesquecível, cena da parede de memórias, dos registros do tempo, dor que fica na lembrança, loucura que ensina a sentir, razão que racionaliza enfim, desejo que aflora, que pede, que pronuncia, amor que reparte, comparte, brota, que flui aceso em direção ao coração, carinho que penetra na alma, gosto da vida que tempera o tempo, três amigos, tantos dias, muitos sentires, uma múltipla história única cheia de paralelos traçados. Letra que deposita, foto que imortaliza, alegria que impulsiona. Nesse exato momento quero agradecer mais uma vez: muito obrigado. Nada mais será como foi ou era. Obrigado por toda a felicidade e o carinho que senti. Dúvida que virou Amor. Amor que converteu-se em Dor. Sincronicidade que amalgamada em Amizade, fez do sonho Felicidade.Rimas pobres, palavras ricas. Acaso não existe. Era pra ser.

7 de dezembro de 2008


Era o estranhamento do novo. Nunca antes havia ele sabido o que era ser ele mesmo. Cada dia era como um daqueles carros, num fluxo unidirecional, intenso, diferente, colorido e incessante. Ele havia crescido desqualificando o sentir, sentimentos eram difíceis, perigosos, sofrimento, excesso. Racionalidade era bom, controle, tecnicidade, tentativa de domínio, homicidio dos desejos. Ele jamais havia imaginado que iria tão longe -no sentir- em tão pouco tempo. Ele nunca, nem no seu mais belo sonho de outrora havia chegado a cogitar que poderia vir a ter a possibilidade de ser tão feliz. Talvez ai o porquê de tanta inveja. Querer ter o que o outro tem, no âmago, o desejo de ser tão feliz quanto acha-se que o outro é ou parece ser. Calma, alegria e satisfação não rendiam inspiração, não davam bons textos, não teciam a confusão em letras, descendentes e ordenadas no papel, numa espiral enfileirada e coordenada em linhas, pontos, frases inacabadas e escancaradamente humanas. Era a auto-tentativa de querer encontrar-se no espelho das palavras, do perder-se tão familiar que sempre achava, ou quase, um esperança de seguir, no fim de cada ponto final. Teria sido uma grande confusão de sentimentos, teria sido um grande amálgama de sentir, teria sido um grande sonho, teria sido uma grande realização esperada, tantas indagações da realidade vivida e pensada. Talvez o gosto dele por cerimônias, homenagens e encerramentos explicassem um pouco seu premente desejo por apoteoses e consolidações etéreas. O vazio existia, e colidia com o nada tão familiar que estava na batalha eterna do acreditar e do querer. Grandes montes de coisas abstratas batalhando num espaço-tempo que só existe dentro da imaginação que mora dentro dele. Descoberta da felicidade sem culpa, aceitação do hoje, de si, tentativa de cessar o entendimento porque viver é muito mais que racionalizar o que não se pode enquadrar, tampouco denominar. Numa perspectiva do passado, se atento aos quereres periféricos e envergonhados, pode-se dizer que havia sido quase tudo em poucos meses. Suas lágrimas encheriam baldes, sua felicidade piscinas, água, líquido da empolgação dele. Dos desejos realizados, pretendidos, alcançados. Beleza, riqueza, inteligência, conteúdo, admiração. Escada do labirinto cheio de andares. Certeza de querer ser como eles são, ou pareciam ser, desidealização que opera, descontrução que liberta, saudade que é carinho, vontade de felicidade, espera de realização pra ele, abraço que não cessa, lembrança fixada na parede enterna da vida, do agosto de dois mil e oito, do domingo de madrugada, da catarse coletiva, do rendimento do eu ao amor. E lá se vai um tempo que não vou lamentar como passado, que não vai me prendar mais pelo desejo de reviver -é isso que ele faz, e quer continuar fazendo-, é isso quje ele sempre fez com tudo que é dele, porém agora, já que ele mesmo é outro, é ele, isso também deixará de ser, porque isso não é ele, verdadeiro, isso era dele, outro, artista da vida que dissolve no tempo, horas de conversa terapêutica que descotinaram seu encontro, sonho, muito sonho, nuvem, fantasia, céu, chuva , dor, calor, sofrimento, água, música, palavras, letras, blog, sonhos, tantos desejos e imaginações conjeturadas. Recortes, emoldurados, fixados, passivos da admiração eterna que não escraviza, que suaviza sim, edifica, amortece e encoraja. Páginas brancas vivas à espera da história a ser escrita. Passo-a-passo do no autor da sua própria história. Saga de um menino ex-canhoto, ex-olhos azuis, ex-prisioneiro, ex-não-ele-mesmo. Eu adoro narizes bonitos e unhas saudáveis. Tenho inveja de beleza e riqueza. E falo o que tenho vontade - ou não, mas tenho falado.
Aprendizado poético: Não há falta na ausência. Que Drummond e todos os meus novos e velhos conhecidos sejam bem-vindos. Meu tempo é, sim, quando.

30 de novembro de 2008


Ahh, como havia sido esse tempo todo, o que havia sido esse ano que escorria agora. Eram os últimos dias, as últimas semanas, e tudo havia sido como era pra ser daquele jeito meio mistificado e real-cruel que ele conhecia. Que caminhada havia sido, que aventura, que travessia, que tempestade. Que funda foi a descida, que longa era a subida, quantos intermináveis e espinhosos infinitos degraus, quantas lágrimas, soltas, caidas, quantos dias de luto, de morte, de agressão, quantas conversas de dor, de aparência, de tentativa de parecer sentir. Não adianta fingir, não há enganar, só há você, só e sempre. E era ele, que estava vendo o dia amanhecer, não como naquele dezessete de agosto, não era êxtase e paixão na veia, era perplexidade, paz, e riso, era uma mistura de uma sensação que agora era possuida por ele. Era como se a costura tivesse sido terminada, como se o último ponto, o decisivo, o definitivo, o ponto do nó tivesse sido dado. O mesmo azul da praia, o mesmo perfume do amor, o mesmo sorriso da daniela, e apesar de tudo isso, que era everything, ele não sucumbiu, ele sentiu ciúmes, sim, entretanto talvez de amizade quem sabe, e a vitória se fazia raiva que edificava postura, rosto, independência da escravocrata relação auto-instaurada. A curiosidade venceu o medo, o gato saiu pra noite, pardo, e voltou novo, castanho azulado, confiante.
Nada de muita coisa que ele havia achado tinha sido, e as surpresas eram muitas, as certezas mais, e do nada se fez a vontade, pena que o ventura não estava. Gigante como o grito preso de uma vida, de dizer o que pensa, de desejar o que sente, de brindar esse viver tão incompleto porém tão cheio de agoras possíveis, perpassados, transcendidos pela passiva omissão neglingente dele. Ah, como tinha sido legal, assim, tanto quanto uma festa de quinze anos do passado, ou um passeio no parque de diversões que ele tanto desejava e havia sonhado. Som, música, luz e olhares. Muitos, e quantos, e que lindos, olhares mil, rostos muitos, beleza, sorriso, brilho nos olhos, mágica da vida, lustre de brilho diverso. Sem definições passo adiante, o que não mata engorda, tudo que vem vai, e a escada que parecia infinita terminava um dia. A fantasia é a gente que faz, a gente que cria: quanta imaginação que fez sofrer. Bobão ele, agora o riso é sorria, e sentia a paz e o sono chegando. Agora era o mais, a hora do sentir alvorecia, folha limpa, dias que escorrem, cronômetro que reinicia, futuro que aponta, disponta, possível, incerteza daquela delicia com sabor de felicidade.
Passa, tudo se vai, e assim como, chega, no seu tempo certo. Dia vinte e nove de novembro. Eram especiais, e esse então exemplar raro, daqueles que inauguram eras, descortinam reinos, abrem passagens, vislumbram o passo, apresentam linhas, traçam caminhos. Vontade de mais dias assim, mais desse som, dessa sensação, dessa confiança que surpreendeu, isso, muito mais vida pra matar a fome de viver - que é, sim, muito melhor que sonhar. Desejo de olho no olho, bem fundo, mergulho na alma que habita o céu que abarca sua vontade de desejo. I wish more wings to fly.

26 de novembro de 2008


O céu tinha nascido como guache misturado no papel pardo do jardim. Azul e branco borravam nuvem e firmamento com o cheiro fresco e úmido da tinta que lambusava os dedos. Dias sem palavra, dias de só sentir, entrega da razão à razão, passos de estrada feita com afinco. Vontade que tinha revigorado energia de seguir, fragilidade da coragem de recomeçar sempre. Esperança gratuita de paz e equilíbrio. Ele olhava pro banho de luz das nuvens e torcia que a chuva fosse embora; não só a de fora, principalmente a de dentro. Falar alto, entender egoista, sol e calor dele, felicidade nele e pra ele que era conflito com quem gostava um pouco. Sentido de conclusão, desejo de êxito, espera de amor, de olhar, de coragem pra seguir no caminho, do afinco pertinente ao sonho do mim. Perdido no deserto de si mesmo a caminho do encontro consigo.

20 de novembro de 2008


Cada movimento é pesado como ferro.
Cada palavra é áspera como lixa.
Cada pensamento é pontiagudo como espinho.
Cada dia é dor que urge, não sara, tremor que não se retém, origem latente, que escorre, desce em lágrima, a prestação, coração estilhaçado em revolta implodida, amor negado, rejeitado de forma explícita, letra por letra ignorada, não respondida, jogada fora, como lixo, montes dele, era ele.
Desencontro quotidiano.
Dos fins de todos os não (ou quase) começos.
Socorro que não chega. Ajuda que não ampara.
Caminho que não aparece. Mágica da vida que esgota, cansa, arrefece, aquieta, cega, inebria, sonambuliza, afoga, abafa, cala, dorme o sono da fome de vida.

18 de novembro de 2008


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo

Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta essa curiosidade pelo momento a vir

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vinícius de Moraes 15/04/1962

17 de novembro de 2008


UM SONHO NUM SONHO

Este beijo em tua fronte deponho!
Vou partir. E bem pode, quem parte,
francamente aqui vir confessar-te
que bastante razão tinhas, quando
comparaste meus dias a um sonho.
Se a esperança se vai, esvoaçando,
que me importa se é noite ou se é dia...
ente real ou visão fugidia?
De maneira qualquer fugiria.
O que vejo, o que sou e suponho
não é mais do que um sonho num sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia
de uma praia, que a vaga tortura.
Minha mão grãos de areia segura
com bem força, que é de ouro essa areia.
São tão poucos! Mas, fogem-me, pelos
dedos, para a profunda água escura.
Os meus olhos se inundam de pranto.
Oh! meu Deus! E não posso retê-los,
se os aperto na mão, tanto e tanto?
Ah! meu Deus! E não posso salvar
um ao menos da fúria do mar?
O que vejo, o que sou e suponho
será apenas um sonho num sonho?

(Edgar Allan Poe)

16 de novembro de 2008


"A essas pessoas é fácil amar. Elas estão cheias de vazio. E é no vazio da distância que vive a saudade...”

Rubem Alves

15 de novembro de 2008