16 de janeiro de 2010




Eu tinha seis anos e estava na porta da escola e a aula já tinha terminado, todos os meus colegas tinham ido embora e já não havia mais quase ninguém perto de mim e eu achei que tinham me esquecido e fui tomado por um medo que acho estranho, logo eu que lido tão mal com a memória, que eu me recordo até hoje e eu lembro que eu corri e pedi ajuda pra um senhor de chapéu e disse que ninguém tinha vindo me  buscar e pedi se por favor ele não sabia onde eu morava porque talvez ele soubesse e me conhecesse e pudesse me deixar em casa. Hoje eu não tenho mais seis anos e volta e meio sinto uma sensação muito parecida, só que não é mais aquele leve atraso de um pai indo buscar um filho na porta da escola.  É meio como que esperar alguém vir te buscar porque você não sabe pra onde seguir porque não há caminho, e você também não tem mais pra onde voltar direito porque você precisa construir algum lugar que seja teu. E eu acho que também é como uma espera inacabada e intermitente pela chegada de alguém que vem te levar pra algum lugar seguro e confortável e onde você se sinta bem e protegido porque parece que apesar de você ter crescido o mundo aqui fora não ficou melhor e você ainda se sente com medo, e é difícil não ter mais a certeza de que o teu pai vai estar no portão a hora que você sair. E acontece que não tem mais também nenhum homem alto de chapéu de palha pra te levar pra casa. E apesar de saber que não existe, acho que eu sou daqueles que acredita que existe um lugar melhor onde alguém vai te levar um dia e você vai se sentir protegido. E a sensação é que essa fantasia é uma mentira inventada pra mascarar a verdade de que nunca ninguém virá te buscar e te levar porque aquele dia na escola fui eu quem precisei pedir ajuda e me deixaram em casa porque sabiam onde eu morava e na verdade até tinham ido me buscar mas tinham chegado muito atrasados e fui eu quem não conseguiu mais esperar pelo medo de ficar sozinho e perdido num lugar longe de casa e sem saber por onde voltar. Hoje eu diria que é como se as únicas diferenças fossem as de que eu não tenho mais aquela idade e que meu pai não está mais a caminho porque pra onde eu quero ir ele não sabe como chegar nem pode me levar. Pra chegar lá tenho que ir sozinho.

4 de janeiro de 2010




Resumindo são mais do que algumas simples considerações.  É mais ou menos como um fim de tarde desses de céu rosado, e com uma estrela brilhante e única que eu pude assistir esses dias lá longe naquelelugar fechado e fundo e vazio. E até lá tem desses fins de dia pra se ver. Eu acho que eu fiquei tempo demais me escondendo nas tuas sobras, me alimentando daqueles poucos pedaços de tudo que você deixava cair, de algumas migalhas que escorregavam do teu prato cheio de comida. Eu cansei de ser espectro, fantasma, assistente, coadjuvante. E vem sempre aquela sensação de frio da realidade,  de medo do choque, todas aquelas borboletas vivas e coloridas que forram meu estômago de vez enquando. Acho que eu estou escrevendo isso hoje porque ando meio tomado pelo silêncio e pelo cansaço, pela calma, do esgotamento e uma espécie não-ruim de penúmbra, me sinto livre e preso numa atmosfera meio escura meio clara que nunca me foi simpática. E em verdade acho que você ainda é uma das únicas, poucas e últimas coisas que ainda consegue despertar meus demônios, fazer falar os dragões, desnudar minhas fraquezas mais gritantes,  quase só você consegue me dar aquele ímpeto efêmero de me fazer traduzir pelas letras que eu costumo depositar aqui, nesse esboço patético do eterno adolescente que eu ainda custo a acreditar às vezes que eu me tornei.


13 de dezembro de 2009



Era mais ou menos como esse dia nascendo. Só que mais especial. Tinha a intensidade desse sol que manda embora aquela treva sem fim e repetente. Tinha uma fragrância escondida como esse ar fresco e gelado do amanhecer. E teve um momento que eu achei que não podia ser. Que todas as imagens, as sensações e os toques eram de mentira, alucinações da minha fantasiosa e irriquieta mente. Não eram. Irrompiam pelo espaço todo as músicas mais intensas e a magia não cessava. Era uma espécie de encanto consentido, sincronia perfeita, sintonia fina, equação completamente equilibrada. E eu equilibrei aquele corpo algumas vezes porque parecia que a gente era par. Logo eu que sempre achei que era ímpar. E o canto dos pássaros aqui na janela me impede de fechar os olhos e sonhar. Aquele medo derradeiro de adormecer e acordar encarando que tudo não possa ter passado de sonho é algo incrustado, arraigado, que me pergola intermitente. Só que hoje parece que o medo se esvaiu, partiu, seguiu rumo pra algum lugar que não me habita. Minha denúncia é minha face e nunca me senti tão orgulhoso por ser incriminado. Eu acho que quando a gente se entrega tem uma espécie de liberdade única, é um exercício de coragem, respeito e prazer, tudo amalgamado e imbricado junto. É algo da ordem do inenarrável, do indescritível e do inominável. Não foi só macio, e agora um sorriso me esboça a face, foi gostoso, pra caralho. A mágica do poeta gaúcho não me deixa esquecer que os figos são flores que abrem pra dentro.Só posso afirmar que foi lindo e que ele tem razão, em tudo e sobre as flores, principalmente.

11 de dezembro de 2009


FODA-SE VOCÊ. FODAM-SE AS BOCAS MACIAS. ODEIO SOFRER POR VOCÊ. VAI EMBORA. EU NÂO AGUENTO MAIS TE AMAR E TE QUERER S. F. D. P.

3 de dezembro de 2009




Uma gota de suor lhe escorria o corpo e juntava-se às outras que já molhavam o chão, em alguns minutos eram dezenas, e ininterruptas um lago formavam aos seus pés. Um esgotamento lhe percorria a mente e lhe cegava de forma definitiva, nada mais conseguia ser elaborado por aquela mente convulsa e inoperante. Um semblante cansado lhe estampava o rosto e pouco a pouco seus olhos cediam a força da desistência e não havia mais esboço algum que conseguisse transmitir pela face. O medo lhe gelava a alma, e estático o tempo parecia não resolver nenhum de seus velhos problemas, que na verdade eram novos, renovados, perplexo pelo reflexo do que vinha ao seu encontro não conseguia compreender o que eram aquelas formas e aqueles vultos. Em verdade o passar dos anos não havia solucionado nada, nenhum dos problemas havia sido solubilizado, apenas a vida havia por postergar-lhes o confronto, houve apenas um movimento no sentido de tardar o encontro com a verdade, que não se transveste, não perdoa, é imutável, perene, absoluta. Naquele dia o relógio havia quebrado, e os ponteiros pareciam girar do avesso e ao contrário numa ciranda macabra,  parecia então, que a realidade procrastinada vinha toda à baila pare se fazer valer e seus pensamentos eram tomados pela verdade que escorria de seus olhos fechados e que já não conseguiam mais segurar a força daquela destruição, a desconstrução, a demolição, ele era aniquilado, desmantelado, obliterado, pulverizado. Irrompia do céu azul da primavera uma sombra gelada de um futuro temeroso que o havia por envolver. Em meio à névoa dezenas de espectros negros sem rosto exibiam suas lâminas mortais empunhadas aos milhares, perplexo e molhado pela água fria do prenúncio do fim que agora o havia embebido, e já não se sabia se eram suor ou lágrimas, o garoto fechava ainda mais os olhos na tentativa de não ver, de tentar acordar do pesadelo da realidade e voltar pro mundo do sonho e da fantasia, ele se negava a aceitar o recomeço e o fim, a queda e a humilhação, pesadelo do passado repetido, por ser revivido, resofrido, reencarado. A dor profunda e visceral e o sofrimento que sempre lhe assombraram em suas piores visões e expectatívas pareciam inevitáveis e irrepelíveis e se tornavam reais. Sua sina trágica e dolorosa era mesmo a que lhe fora marcada no dia de seu nascimento e da qual ele, por mais esperança que tivesse e forças reunisse não tinha conseguido vencer. Entregava-se ao azar da existência. A maldição de um passado triste e duro e áspero e de escombros, da miséria da falta e da carência do quotidiano chegava novamente ao presente como uma dádiva dos infernos e o calor de um verão prenunciado era o início de um fim cruel, impiedoso e negro que materializava-se a cada novo segundo da pavorosa e assombrosa maldição da vida a que tinha sido condenado por deus.

1 de dezembro de 2009



Tem uma sombra que me persegue quando você está por perto. É como se todos os demônios e os dragões do subsolo e do além viessem à superfície e iniciassem um ritual macabro tendo por mim como oferenda. É um circo dos horrores bizarro que eu não aguento mais protagonizar. Tem uma espécie de inversão sentimental que você consegue causar, e todas as minhas resistências são transmutadas pela perturbação da tua presença, eu sinto amargura, dor, desconforto excruciante que não cessa até a tua ausência, que tenho desejado cada dia mais e mais. Eu estou com uma dificuldade absurda pra administrar a mim mesmo quando se refere a ti. Você não é quem você acha que é, quem você tenta parecer ser. Quem você é me machuca. E as nuvens que cobrem o meu céu agora estão tão escuras que eu não consigo mais ter noção de certos limiares. Teu magnetismo de composição exterior tem uma capacidade de definhar e envenenar o teu entorno, é uma espécie de maldição do tesouro, só que no final da empreitada não há tesouro, só pesadelo. Eu queria poder deixar o céu claro, fazer com que o teu magnetismo se multiplica-se e ilumina-se aos outros também, mas tua luz é paradoxalmente negra, ela suga tudo ao teu redor, reduz a pó, cinzas, nada. Não sei se você percebeu mas todo mundo que já chegou tão, ou quase tão perto de ti quanto é possível se foi. Não resta ninguém. Nada. E por um tempo eu achei que eu conseguiria restar, haver de ficar, permanecer, resistir. Agora acho que não.Que se eu conseguir vencer a tua gravidade pulverizadora ei de partir, como todos os outros, pra sempre. A salvo de ti e do teu labirinto do tesouro sem tesouro, sem saída, sem vida, sem nada.

14 de novembro de 2009



Meu mar vermelho foi você quem abriu. Na verdade nem eu sabia que você estava fazendo aquilo mas você estava, e quando eu olhei em frente tinha um oceano inteiro aberto ao meio a minha espera. Eu não sei bem quais foram as tuas palavras, os teus gestos, tenho dificuldade até pra lembrar da tua face e o que mais me inpressiona é a força da tua magia, o poder do teu ser, que repartiu aquele mar inteiro que eu acabei por atravessar. Teve um momento, e isso eu nunca tive a oportunidade de te dizer, porque no meio daquela travessia imensa você acabou me deixando sozinho sem querer, e quando eu olhava pros lados, intensamente com vontade de te perguntar alguma coisa eu só via água e mais aqueles poucos que caminhavam comigo pelo chão submarino agora descoberto. Eu queria te dizer que hoje eu acho que eu terminei de atravessar o mar vermelho, eu percebi que eu passei por todo aquele corredor, e agora que eu não estou mais cercado pela água interminável posso te afirmar que me intriga ainda o teu poder, infinito, de segurar o oceano. Queria te agradecer por teres feito com que eu tivesse um caminho que atravessar, com ou sem ti eu trilhei por ele, e agora que eu me vejo do outro lado do mar me dá medo. Eu estou alegre por ter sobrevivido mas me dá uma angústia de pensar em errar, ando meio sem coragem de subir as montanhas e correr pelas planíces que eu tanto sonhei, eu tenho medo de receber sim e não pelo meu novo caminho, e reticente, ando optanto por não caminhar, não seguir em frente, não me despir daquela indumentária pesada que eu carreguei por todo o paredão escuro e interminável e úmido que eu consegui findar. Eu só queria não precisar de garantias. Queria deixar de temer o erro. Me despir daqueles calçados apertados que me seguravam firme e ao mesmo tempo me tornavam lento. Se eu posso fazer um pedido, e eis que isso já é um deles, queria saber se tu pode ir me dizendo aos poucos daonde tu tirou aquela força toda pra segurar o mar, eu ando precisando lidar com aquelas ondas e não consigo entender o que fazer com elas. Se tem como eu fazer isso eu queria aprender. E queria também abrir o mar pra alguém, desejando que ele não fosse tão vermelho como o meu, nem tão solitário, mas queria muito fazer nascer em alguém aquilo que a tua força e a tua magia fizeram em mim.Eu ando acreditando tanto no poder do amor, que me dá uma saudade de sentir, e eu acho que com toda essa ternura eu estou pronto pra abrir um oceano inteiro pra alguém passar também, só preciso vencer aquelas ondas que me matam aos poucos e que quase te mataram também. Mas você conseguiu extinguir elas e se você pôde eu também posso. Se tem algum segredo ou alguma palavra mágica ou alguma dança ou algum passo eu queria te dizer que eu sou artista e que você não precisa se intimidar em tentar me ensinar porque eu acho que posso aprender bem.

9 de novembro de 2009



Hoje eu escrevo porque escrever é a única coisa que me resta. De tudo o que eu tenho me restaram as palavras, perdidas, descordenadas, não sabidas. Você chegou na minha vida por encomenda, numa espécie de indicação premeditada, e eu deixei você entrar pela minha fraqueza essencial de me deixar sentir. Uma espécie de sentimento de busca profunda e irrefreada que se sucede e se opera indiscriminadamente dentro de mim. Hoje eu senti a tua falta por perto. Não que estejamos próximos, porém tem uma espécie de reconforto diário que você me proporciona. É como se eu me encontrasse comigo por alguns instantes diante do espelho todo dia, e esse espelho é você. Eu tenho muita vontade de mergulhar nesse espelho, de me deixar refletir, perceber, delinear, me desenhar dentro desse reflexo que você me proporciona. Ao mesmo tempo tenho medo de você. Tenho medo de desfazer esse encanto, de quebrar essa pintura ao meio, de dissolver o espelho em vidro e prata. Eu queria te dizer que você está ocupando um espaço engraçado dentro de mim, e que eu não quero que ele acabe, bem como eu não quero que ele comece a ser desfeito. Eu queria te congelar desse jeito. E eu queria que você soubesse que apesar de não saber quem você é, e de não conhecer a tua voz, que eu quero você por perto me fazendo companhia. Alimentando meu sonho, Minha fantasia. Minha necessidade de encontrar um caminho. Eu acho que você faz parte de um desejo, de uma poesia, de uma inspiração, uma partitura. Você é uma elaboração do meu eu, um reflexo pintado, uma gravura recortada e distante, um esboço daquela propaganda intangível, daquele modelo ideal construído por mim. No fundo eu queria te dizer que cada recorte de ti eu guardei e que de tudo isso eu levo uma pequena certeza escondida: a de que nunca é tarde pra se conquistar e achar uma saída.

28 de outubro de 2009



 Eu cortei minha mão outro dia e você me disse que desejava que ela caísse de vez. Outro dia eu fiquei cego porque eu não conseguia abrir mais meus olhos e você disse que desejava que eu perdesse a visão. Lá em casa tem um canto cheio de verde que eu costumo dizer que é meu refúgio porque eu me sinto protegido por lá, talvez seja porque não tem ninguém pra quem eu dirigir meu amor ou alguém por quem eu possa me encantar. De todos os lugares que já conheci ali é o único onde sempre, inverno ou verão, tem pelo menos uma flor, pequenina, rosácea, me esperando quando eu chego ou parto. Eu queria que a vida fosse uma infinita sucessão de chegadas porque eu não sei lidar com partidas.Eu descobri esses dias outra coisa sobre você. Acho que vou ser fascinado por ti e pelas tuas palavras pra sempre. Você tem alguma coisa de muito intensa no teu jeito de sentir o mundo e de se comunicar com ele. Tua inteligência e complexidade são unânimes. Quando eu fui te pedir desculpas era uma forma de tentar te dizer que eu não escolhi gostar de você. Eu gosto. Simples assim. Teve um dia na praia que eu lembrei de você e pensei que eu não tive tempo de te conhecer de verdade. O tempo petrificou em mim uma memória construída. E isso é tudo que eu tenho. Tem mais alguma coisa que ainda falta e que eu nao consigo reconhecer qual é. Tem uma espécie de desconforto desconcertado. Algum tipo de necessidade não reconhecida e que não arrefece. Uma forma de espera transmutada em não-encontro. Naquele dia a coisa que eu mais desejei era tentar me fazer entender. Hoje disseram que as crianças até os seus últimos estágios de desenvolvimento antes da adolescência tem dificuldade em discernir o que é fantasia e realidade. Acho que eu sou um pouco criança demais. E eu tenho um problema com gostar. Porque eu gosto demais das pessoas. E eu queria que você me desculpasse por ter gostado demais de você e por não ter sabido lidar com isso. Ainda não sei. Porque te gosto e o que fazer com isso.

18 de outubro de 2009



Kriptonita não é aquilo que você acha que é, eu já te disse o que é, e você com certeza não lembra, nem nunca lembrará. Tinha uma bola amarela no lago naquele dia e a previsão metereológica era de que ia chover muito. Esqueceram de dizer que ia ser raios. Choveu raios aquele dia. E em todos os dias depois daquele dia em que você me deu liberdade pra. Esse texto você nunca vai ler porque você não lê o que eu escrevo, você não me lê na verdade. Eu acho que eu fiz a maior das idiotices quando fiz tudo o que fiz pra você. Idiotice porque idiota na raiz semântica quer dizer 'aquele que não reconhece a si mesmo' e eu não me reconhecia mesmo. Eu adoro muitas coisas que tu consegue conquistar mas detesto a forma como você as aproveita. Tem  algumas coisas que eu gostaria de experimentar antes de me despedir de você mas como eu sou repetente em despedidas acho que não vou conseguir ir embora daquele jeito que eu gostaria. Tem uma parte tua que me causa frio nas mãos e que me congela em profundidade visceral. Acho que é aquele domínio que eu invejo do controle de si, uma espécie de dissimulação quase-perfeita se não fosse o fato de que eu te conheço. E se eu te leio dos pés à cabeça, do avesso ao contrário fica complicado atuar. Tem um poema que diz que 'cedo ou tarde' a você sempre cedo. E eu tenho algumas coisas que eu já te disse que eu queria dizer de novo e de novo e de novo mais umas dezenas de vezes porque acho que você as deveria escutar até criar calos nos ouvidos. E existe uma coisa que você não conhece que se chama essência. E eu gostaria de ser informado quando você encontrar. Eu também queria deixar resgistrado nesse cofre que todas as palavras que eu te enderecei você não teve conhecimento e que quando eu disse que precisava matar uma estrela essa estrela era você. E eu queria que um dia você encontrasse a senha desse refúgio porque a gente sempre escreve pra alguém ler. E eu escrevi várias vezes sem senha pra você. Não vou mais criptografar mensagens em palavras, nem transvestir atitudes em entrelinhas, nem construir fatos desenhados pra tentar te dizer. Não preciso mais tentar me transgredir porque não sou mais a tentativa acoplada de me fotocopiar ajustada de você. E assim, acho que já passou da hora de você rever o teu conceito de maciez porque de cada dez bocas que você beijou me cansava ouvir você dizer que onze eram macias. Duvido. Da maciez e da quantidade de bocas.

18 de setembro de 2009



Algumas considerações sobre você e eu. Nós temos um segredo em comum. Nossas semelhanças nos unem. Somos muito diferentes porém muitas vezes me vejo em você. Estamos sempre brigando conosco mesmos. Descobri que gosto de você do jeito que você é, por que isso é gostar de verdade. Sinto falta de ter você por perto, de poder me dividir contigo, de poder te ouvir, te ver, eu sinto falta da tua presença na minha vida porque eu gosto de você. Eu sempre gostei muito de você. Vivemos histórias entrecruzadas que se assemelham às vezes. Não tenho ninguém com quem conversar sobre você, a tua relação comigo é a única que nem meus amigos, nem meus pais, nem ninguém tem conhecimento, nem opinam. Eu sempre banquei você, desafiei todos e a mim mesmo por ti. Todas as vezes que converso contigo meu corpo treme e eu me sinto alterado. Eu não sei quem você é por completo. Meu medo gigante é da nossa aproximação. Eu sinto falta de uma reciprocidade contigo. Eu nunca te entendi tanto quanto hoje. Eu tinha muitas considerações pra te fazer. E a maior delas talvez é que quando se trata de você sempre se tem alguma coisa a dizer. Você nunca se esgota, nunca se acaba, nunca arrefece, nunca esvazia. Muito daquilo que eu escrevo sempre foi pra você ler. Eu penso em você muito. Gostaria de ter você do meu lado pra me acompanhar em muita coisa que eu vivo. Sempre quis que você fizesse parte da minha vida. Sempre me sinto bem quando estou ao teu lado. Quando estou na tua presença me sinto confiante, forte, altivo. Você é aquela pessoa que me fez várias vezes querer saber o porquê das coisas. Você sempre me ensinou muita coisa que ninguém mais ensinou. Ninguém substitui a tua presença porque você é inesquecível. Ninguém se assemelha a você porque você é, na tua possibilidade material, autêntico. Eu não sei o quanto nem como, nem certeza absoluta da amplitude possuo, mas tenho consciência plena de que quero o teu bem. Se eu pudesse passaria muito do meu tempo contigo e na tua companhia. Você exerce em mim uma repetitividade óbvia e explícita que ninguém mais exerce. Eu me sinto preso por você. Queria muito que eu pudesse saber até onde você vai. Meu temor dos dias seguintes é sempre de uma ansiedade que não me deixa tranquilo, e me sinto sem sossego porque gostaria muito de saber até onde você vai com aquilo que te confidencio. Nos confidenciamos muitas coisas e eu sempre me sinto cúmplice teu, apesar de que, infelizmente na maioria das vezes só você é meu. Queria ser teu cúmplice também. É um cárcere não saber o quanto você gosta de mim; e se você gosta de mim. Passei horas incontáveis contigo e tenho vontade de repeti-las todas porque apesar de todos os pesares e de toda a minha insustentabilidade perante ti eu me sinto feliz contigo. Eu me sinto diminuido, fraco, submissso e subserviente também. Nunca te pergunto nada não é pra não ter que ouvir o que eu não quero, é pra não te conhecer mesmo. A inversão paradoxal do querer estar perto de você sem te conhecer é algo que me fascinou. Você me fascina pela complexidade simples indecifrável, pela capacidade humana e frágil inarredável, você me congela pela frieza quente da conduta, teus mecanismos psicológicos de tentativa de controle me sufocam porque você não se abre pra sentir e se dizer aquilo que a gente precisa que seja dito. E nisso eu sou como um espelho. Eu queria que você conseguisse entender aquilo que nem eu mesmo entendo. Eu sempre quis entender porque eu gostava de você, mesmo você sendo comigo quem você é e muitas vezes agindo comigo como você age. E o fato é que eu te amo porque você é quem você é. Apesar de não saber quem você é ao certo. Você representa pra mim um triunfo sonhado, a espécie de idealização ambiciosa que você sempre me imputou. Eu tenho vontade de passar horas e horas discorrendo e falando. Uma sessão é quase nada perto de uma vida de pensamento e tentativa de entendimento. Queria deixar algumas coisas claras, translúcidas, quero muito que você faça parte da minha vida por que eu gosto de você. Das dezenas de vezes que viajei pra casa e das semanas em que fiquei lá sempre fiquei esperando por ter a oportunidade da tua companhia. Hoje me sinto sóbrio o bastante pra te dizer que tudo que venho sentindo e pensando é fruto de um amadurecimento terapêutico de meses. Eu quero te lembrar que de certa forma nós estamos no mesmo barco e foi sempre assim que eu enxerguei a gente. Pode ser mesmo que todos os meus medos se confirmem e você não seja quem eu espero que você seja, ou pode ser que você seja exatamente igual a quem você não deixa que os outros vejam mas você é ou o inverso, não sei. Independente da resposta meu maior e derradeiro pedido é que comigo você seja aquele eu que você gostaria de ser, ou então, que você seja por inteiro e integralmente quem você é por que sou a partir de hoje contigo quem eu quero ser.

12 de setembro de 2009


Hoje tinha uma bola amarela no lago e eu me lembrei de você. Semana passada eu te escrevi e você não me respondeu. Há meses atrás eu chorei no pátio de uma formatura e me neguei a entrar no teu carro quando você me chamou porque eu não queria que você me visse daquele jeito. E eu venho não querendo que você me veja desde sempre, estou cansado de mim mesmo por não desistir de escrever pra você. Estou cansado de viver um sentimento que nem vive nem morre, você exerce uma espécie de existência perene dentro de mim. E eu acho que não deve ser assim. Tem um filme chamado Summer Storm e eu acho que você deveria assiti-lo. É mais ou menos assim. E não importa por onde eu ande, com quem eu esteja e você sabe que sempre um dia eu consigo estar com quem eu quero, ninguém preenche você. Ninguém te substitui. Ninguém ocupa. E isso é repetitivo porque nem eu mais aguento esse sentimento que atravessa os anos dentro de mim independente dos outros e do que eu sinta por eles. É lógico que às vezes ele diminui, mas ele sempre volta. Como um pêndulo de um relógio que canta`os velhos tempos sempre acabam voltando`. Dentro em breve faz um ano do dia em que escolhi pra tentar ouvir de você. E eu te juro que quanto mais a gente se esconde mais a gente se perde. Hoje eu acho que está na hora de um pôr-do-sol em você. Minhas màos procuram as teclas, e minha memória lembra das tuas mãos, que eu sempre achei lindas. Meu cárcere é a angústia de nunca poder ter sabido como teria sido se você tivesse me deixado mostrar o quanto eu sempre gostei de ti.

5 de setembro de 2009

Volta. Eu queria que fosse possível. Eu queria que você também me quisesse. Eu queria passar horas infinitas com você, queria fazer você sorrir sempre, queria te acompanhar, queria te surpreender, queria viajar contigo, queria jantar contigo, ver todos os filmes que eu não gostaria de ter que ver sozinho, gostaria que você cuidasse de mim, gostaria de poder fazer por você tudo aquilo que eu posso, eu queria o teu sorriso, o teu jeito, eu queria todo o teu brilho e eu queria te entregar meu sorriso, meu carinho, meu companheirismo e minha ambição, eu queria que você entendesse o que nem eu mesmo entendo e eu queria ficar do teu lado porque você faz uma falta na minha vida que eu não sei viver sem e eu sempre acordo sabendo que tá faltando alguém e tendo que me acostumar com a tua ausência e tenho mil fasese mil frases e mil faces e mil sentidos alterados quando penso em você. Eu preciso escolher fazer você partir pra sempre e eu já escolhi isso tantas vezes mas não funciona muito bem. Eu acho que não funcionou nunca de verdade porque eu sempre quero você comigo de um jeito ou de outro. Eu preciso matar minha esperança de te ter, eu preciso aniquilar aquela chama tímida de felicidade que nasce sempre que eu penso em ti e na gente e naqueles momentos que eu me sinto feliz e você também, e que a gente sabia passar juntos. Mais do que qualquer coisa eu queria que você soubesse que eu te amo. E eu te amo porque 'eu gosto de você' é tão fraco pro que eu sinto, por favor, me ajuda a te matar em mim. Eu quero parar de doer por gostar de ti mas eu não tenho conseguido. Se nem mesmo a distância, a ausência e a separação fizeram isso por mim fui levado a pensar que talvez só você pode fazê-lo. Não quero sentir isso pra sempre por você se eu não posso ser feliz contigo. E é com aquele arrepio de emoção que corre meu corpo agora que eu queria que você soubesse que eu sou aquilo que eu sempre te disse e te entreguei.

22 de agosto de 2009

É como a tentativa de acertar a bola na cesta e fazer os pontos finais, do segundo tempo de um jogo que define toda a rodada, e você não pode perder a oportunidade essencial e final de fazê-lo e vencer a partida. E você não tem a perícia esperada, nem talvez está no momento certo da sua vida, mas o time todo e a torcida inteira da arquibancada acredita que nos próximos dez segundos teu braço vai enquandrar a bola no ângulo perfeito e ela vai descrever um arco simétrico à cesta e então os pontos vão ser feitos e todos vão correr pra te abraçar e a arquibancada, em saltos, vai fazer a festa do ano porque o time está sem vencer um campeonato há muito tempo. O problema é que tudo isso pode bem ser só fruto de uma das possibilidades dos próximos segundos porque se o time, e a imprensa e a arquibancada toda soubesse, o que realmente acontece na cabeça e na vida daquele jogador que agora pega a bola com as mãos e que olha pra cesta e faz cara de concentrado, e no momento em que ele ergue as mãos e mira a cesta e dribla o adversário e todos imaginam que a seguir vem o ponto necessário acontece que o jogador não sabe mais. E eu queria que você soubesse que eu não sei jogar bola, tempouco acertar a cesta que vence e decide o campeonato e por isso eu não sou alguém pra alguém porque toda a minha arquibancada e a imprensa e meu time no fundo não conseguem enxergar quem eu realmente sou, e naquele segundo o jogador largou a bola e calando o estádio não mais pelo suspense e sim pela surpresa, e aos olhos incrédulos dos flashes e do seu próprio time se retirou da quadra para o corredor escuro e pensante do vestiário pra onde sempre as dúvidas caminham e se vão. E é como um fim de tarde gelado e nublado e quieto, com um vento cortante que não te deixa saber como realmente está a temperatura e o que os próximos segundos te reservam.

12 de agosto de 2009

Eu pensei em vários começos diferentes e tenho várias frases soltas que mais parecem aquele quebra-cabeças insolúvel dos tempos da escola porque alguém sempre perdia uma peça. Eu faço gosto de dizer que esse texto mais parece uma colcha de alguma coisa que é mais do que retalhos porém eu não sei bem do que esse proto-mosaico é feito. E como naquele pôr-do-sol lá do norte mais longínquo e da ponta do fim da terra, e como aquela noite em que você me atrelou à minha pena, ou em que você partiu meu coração por não ter olhado pra fora, ou em que você foi a pessoa mais corajosa do mundo ou em que você foi um sonho materializado em vida. Pra você eu queria dizer que eu te amei como nunca mais acho que vou gostar de ninguém, toda vez que te vejo tenho vontade de te dizer que te acho super especial e tenho vontade de te pedir um abraço. Pra você quero dizer que eu gosto tanto de ti e de uma forma tão paradoxal, que eu desisti de decifrar o porquê e o quê você representa pra mim. Pra você eu quero dizer que foi muito bom a gente ter se descoberto e ter vivido uma etapa tão nova e bonita, e eu sei que talvez você nunca entenda mas eu me sinto em paz comigo por ter me respeitado quando eu achei que era hora. E pra você que talvez nunca leia isso, eu queria dizer que às vezes quando você perde, você ganha. E que eu queria que você soubesse que você foi aquele irmão que a vida me deu e que apesar de isso parecer ser a mais batida das expressões só a franqueza da simplicidade desnuda o que pode ter se operado por ti. E eu queria que você soubesse que nada mais importa além de que acreditar nos sonhos é fazer a vida valer a pena. Hoje eu queria que você soubesse que é como quando você mergulha na água e não sabia da temperatura nem da profundidade, e que só quando a gente se legenda sem anteparos a gente se enxerga no espelho. Só o tempo conseguiu me dizer da verdade, e aquela brisa rosada nunca mais vai me deixar esquecer que a imperfeição é minha sina e que estou inevitavelmente condenado à vida.

30 de julho de 2009


É como aquele vento gelado que nos calou naquela tarde já quase noite lá perto do pôr-do-sol mais bonito da terra. E todos os minutos em que eu esperei por uma palavra tua foram como aquela lembrança, doce, amarga, daquele dia em que você fez de todo meu céu pura prata. E eu sinto em te dizer mas eu já não consigo mais entender o porquê, eu desisto de querer compreender tuas razões porque não suporto a dor de ter sido escolhido pra ser traido, e de ter ouvido, da tua boca, aquelas palavras todas, que me feriram tanto que eu até acho que vou viver muito mais do que eu achava porque nenhuma das gotas pontiagudas me levou a vida. E é tão engraçado que se eu não te amasse eu não estaria aqui, escrevendo isso, estaria indiferente, sorrindo por ai como eu bem sei fazer, afinal, quem mais alicia as pessoas com sorrisos como eu? Naquela noite gelada eu decidi deixar de lado todo aquele turbilhão que eu sempre tento domar desde que a gente é a gente. E essa desistência não leva embora tudo aquio que você me trouxe de bom, e todas as vezes em que eu senti que consegui te fazer feliz, porque esse foi sempre o meu objetivo. E não pela primeira vez pago o preço de cruzar aquela linha, imaginária, que sempre me coloca do lado que não é meu, a serviço daqueles a quem me devoto, e no fim, eu sempre acabo tendo que quitar uma prestação que não é minha, porque tudo que eu sempre fiz foi por você. E esse é aquele em que meu céu se enche de brisa, e todas as nuvens mexidas não me deixam dúvidas. Eu só queria que você soubesse que eu preciso que você parta, já há tempo que eu sabia que a tua estrela precisava ir, porém hoje, não me resta mais desculpa pra me enganar, o fato é que mais uma vez, apesar de te amar, preciso que você parta, e se você não assim quiser, eu parto, sem deixar pra trás, tudo de perfeito e aquele sonho que você me deixou viver contigo.

27 de julho de 2009

Eu te amei de um jeito tão intenso e secreto e perpétuo que é até estranho falar sobre isso porque eu achava isso era tão meu e estava tão guardado que eu nunca pretendi escrever sobre. E eu nunca consegui colocar isso pra fora porque sempre imaginei que desfazer esse segredo comigo mesmo significava perder o pouco de você que eu julgava que tinha e esse era um preço que eu não estava disposto a pagar. E todas as vezes em que lia alguma palavra tua, ou esperava alguma ligação, ou escutava algum anseio teu, eu sempre tinha a disposição, irrefreável, de tentar te satisfazer porque isso me mantinha perto de você. E essa ilusão que eu criei de que um dia você ia perceber tudo aquilo que eu sentia por você sem precisar dizer, e que você estaria disposto a viver tudo aquilo que a gente podia ousar, e que por um momento, em algum instante, desse tempo que a gente passava junto você ia olhar pra fora, essa esperança inversa, que me fazia lutar contigo pelo que você queria, acabou me calando e me destruindo enquanto nos desconstruíamos continuamente. E chegou um dia em que a onda da praia levou o castelo inteiro, e quando eu abri meus olhos só havia areia e água e nem mais uma coluna estava de pé. Quando eu decidi te entregar em palavras de outros, aquilo que eu tentei conseguir te dizer e nunca disse, eu estava optando caminhar pela mesma praia onde durante toda a minha vida viveu um espectro, do sonho, inconsciente, talvez, daquilo que eu imaginei que um dia, quando sorria pensando em você, que eu chegaria perto de viver, algo que eu queria mais do que tudo. E foi o querer que me levou até tão longe e se eu posso usar esse cenário eu queria te dizer que se alguma vez alguma coisa foi teatral era porque eu estava me traindo quando fazia tudo que podia por ti, porque o meu gostar de você era tão grande, e engraçado, e terrível, que toda a confusão que eu sentia nunca me deixava claro qual definição usar quando eu chegava perto de você. E essa busca, por essa essência, que um dia eu empreendi, eu queria que você soubesse agora que arrefeceu. E eu te digo que está acabado porque é na operação do tempo, que a gente sente se a página foi virada, e se a estação se sucedeu, é como quando a pele da gente já não se arrepia mais porque o inverno partiu. E ai temos a certeza que a primavera vem em seguida. E esse é aquele em que eu tento te dizer, por mim, o que foi que se operou naquele verão, singular, que apesar de todas as nossas diferenças e incongruências, inconciliáveis e desastrosas, eu tive o prazer e a realização de viver.

7 de julho de 2009



É como uma chuva celestial de prata torrencial, e todos os pontos, cintilantes, que eu assisti durante todo o tempo do mundo no céu, e que eu achava que eram a maior nuvem e a mais bela de minha vida que eu já fotografei, desabavam sobre mim. Por um instante achei que não fosse real, e quando eu olhei pros lados vi que eu estava sozinho e que aquele céu luminoso me alcançava e já não brilhava mais, quando eu pude notar, não eram gotas o que caia do céu, e sim infinitas agulhas esculpidas em prata, milimetricamente recortadas, olhei pra todas os lados e só chovia prata, e quando me dei conta que eram frias, e pontiagudas, e reais, e que me feriam eu tentei gritar mas minha boca foi toda completamente coberta por picadas, e quando eu senti minha pele imersa em prata não conseguia mais distinguir o que era dor e o que não era, e meus olhos foram ficando escuros, porque segundo a segundo as agulhas iam cobrindo minha irís, e fixando minha pálpebra, e logo eu já não enxergava mais, e então eu não sentia mais nem o gelado da prata nem o vento da tempestade pontiaguda porque minha carne estava sendo comprimida e todos os espinhos, como num passe de mágica tomavam vida, e derrepente percebi que em uníssono, todos marchavam pra dentro de mim, e logo senti todo o meu sangue que vertia de cada poro de minha pele e de minha alma escorrendo, e quando voltei a enxergar por instantes porque as agulhas fizeram tanto peso que caíram de meus olhos, percebi que não havia mais nada além de metal ao meu redor, e nenhum passo eu conseguia dar, nenhuma palavra eu podia proferir, porque as agulhas me engessaram por dentro e me deixaram oco, e eu escorri naquele chão que eu já não podia ver porque o céu estava escuro e a nuvem cintilante, do prateado mais imponente, tinha tomado todo o céu e todo o sol, e o chão estava coberto de espinhos, e meus pés estavam banhados nas agulhas, e como numa apoteose de metal e sangue eu queria que você soubesse que eu fui dilacerado pela violência da chuva, e a tempestade que me obliterou, teve êxito completo, porque as agulhas que caminhavam dentro de mim encontraram meu coração e o venceram, e quando me dei conta que estava coberto por prata e escuridão, e que eu já não sentia mais nada, percebi que eu já havia partido e que eu não queria perceber. E todos os céus se apagaram, e todas as estrelas se extinguiram, e todas as palavras faliram e esmoreceram pra que você nunca esqueça que tem toda a maestria e a perfeição dignas do êxito de um deus.

5 de julho de 2009


É como a foto antiga que envelhece, e amarela, perde a intensidade de cada cor mas não se apaga. E são como as pétalas da rosa mais vermelha que desbotam e caem pelo chão, e apesar de todo o tempo do mundo, e de todas as intempéries, continuam vermelhas e perfumadas. E agora é tão inverno quanto antigamente e eu me lembro daquele tempo em que a gente convivia por conveniência ou destino e eu ainda me lembro daquela enigmática sensação que você sempre provocou em mim, eu lembro das muitas tardes, e manhãs, e de todos os dias em que lutei pela tua volta nos meus dias, porque era tão longe e tão difícil e improvável te fazer voltar pra dentro dela, e tudo me separava de você porque você era como aquele caule cheio de espinhos que me feriria se eu tentasse te tocar,e nossos mundos se desencontravam, e eu tive que operar meus esforços através da história, e o acaso acabou por aprimorar meus passos e aquelas velhas fotos passaram a ser passado do nosso presente porque novos retratos foram sendo tirados e ai você voltava a colorir o cinza do meu presente e você estava ainda mais marcado no meu sentir, mesmo sem nunca ter sabido disso, porque aquele enigmático sentimento que você me causava e aquela sensação que percorria meu corpo inteiro quando eu estava com você se reiteravam e então quando eu abri meus olhos, e olhei pra fora naquela hora, eu percebi que durante todos os longos anos em que eu lutei por você, por mim, e por aquele passado que me insistia em dizer que não era só definitividade do tempo, naquele dia daquela noite qualquer em que eu deitei e olhei pro teto, como nas primeiras vezes em que você voltava pra cena da minha vida, eu percebi que talvez eu sempre gostei mais de você do que eu deveria, e como naquele tempo isso não podia ter nome, e talvez não tinha, você me fazia ir da admiração ao ódio, do amor à raiva e a todos os extremos do não entendimento, e toda a fixação que eu tinha por você se explica quando eu percebo sem anteparo algum que você foi aquela pessoa que colocou a semente dentro da terra, e depois dela germinar partiu, e eu sofri pra crescer e lutei pra não morrer diversas vezes, porque no fundo eu queria acreditar que um dia você ia voltar pra perto de mim e a gente ia construir aquela história, que a gente construiu, e que com todos os espinhos, as pétalas, o frio, as cores, as noites, o vento, e as palavras de todos aqueles verões e invernos, que um dia quem sabe eu ia me encontrar com você, e por isso quando eu entendi o que eu sentia por ti eu acabei sendo como aquela árvore que perde todas as suas folhas no outono, e uma a uma elas foram caindo e me vi descendo com o vento e logo o chão nos meus pés estava amarelado e eu estava desnudo como todos aqueles galhos que já não escondem mais a luz do sol e o céu azul, e era por isso que eu queria que você tivesse olhado pra fora naquela hora, porque tudo que eu sentia você tinha se acendido e eu não conseguia mais esconder, e eu me sentia inebriadamente compelido a impedir e a querer ao mesmo tempo que a nossa foto nova, daquele presente de sonho, tivesse toda a intensidade, a força, e o brilho marcante que um retrato e uma lembrança únicos podem ter.

22 de junho de 2009


É o céu recortado e marcado com um traço que corre do horizonte ao infinito. E no chão a árvore toda se recolhe e floresce porque é inverno e primavera. E o tempo parece que leva e não ao mesmo tempo, consigo, tudo aquilo de mais pesado e que na verdade deveria ser leve. E as cores parecem reunidas porque o verde e o preto da esperança e do começo se perpetuam na memória e não existe mais nada igual, nunca, e não se descobre o porque do ser diferente e o porquê daquela ausência marcante. As notas do piano são como as palavras que encantaram e quem sabe tudo tenha sido magia. Uma mágica que nos enfeitiçou, envolveu vocês, me tramou, enredou-vos e vinculou da forma mais profunda e indissociável a mim numa história que não foi minha. E nós fomos conectados naquele passado do ano do infinito por alguma razão que não sei legendar, olvidar ou entender. E todas as folhas se projetam agora como o vento que não se vê, porque só a brisa que senti explica como pode ser tudo o que morou aqui por ti e o que sentiste por ele e ele por você no até então. Hoje resta naquele armário as quatro páginas e naquela gaveta tua o amor maior e tudo de melhor que você viveu com ele. E não foi dito mais nada, e todas as tuas lembranças, imaculadas, daquele tempo da tua aurora mais radiante hoje produzem no balanço, aquele descompasso que te desconstuiu e aquele amor que te varreu inteiro. E o corte do teu céu que não cicatriza, porque você não pode ser livre de você mesmo, e eu me sinto no direito te escrever isso agora, que tua liberdade é tua maior prisão, porque não há como tornar soluvel essa essência, daquele que te fez nascer, porque ela faz parte de você. Nada, nem toda a sua técnica e teu dom e teu talento que transborda podem, nenhuma das tuas palavras conseguirá. Você negou, e então hoje se há a indagação, a responsabilidade é tua. E há quem queira voltar, porém não existe volta porque só há descontinuidade. E esse é aquele em que a poesia cheira à memória, e há uma fragrância suspensa porque tudo foi paixão e o desbravar teu me fez sentir no impulso, e se a tua vida foi transformada pela felicidade que ele te deu e a devassidão que ele te proporcionou, a minha foi radicalmente desconstruida pelo sonho que você plantou e pelo que você deixou transbordar e extravasar e emitiu quando fez de você mesmo aquele pedaço dele, me fazendo sentir, que um dia, eu ia ser de você, e porque não, dele também.